Raphael Silva Fagundes
É impressionante como agora todos dizem que a segunda denúncia de Janot ao digníssimo presidente Michel Temer já era esperada. Por isso, a Globo News acredita que devemos ter fé no mercado porque o dinheiro gringo está entrando. “Os estrangeiros estão investindo aqui”, diz a analista. No entanto, “é preciso fazer o dever de casa”: cortar gastos públicos. A apresentadora, antes da fala da analista, diz que o mercado está se afastando da política. Em meio a essa manifestação da mídia em prol do capital internacional há uma questão intrigante: quando Temer não está sendo denunciado ele é a solução, mas quando está em processo sua continuidade como presidente da República é indiferente. Não será essa última ideia um blefe?
No início da semana passada ninguém queria que Temer fosse denunciado pela segunda vez. Reinaldo Azevedo diz:
Os investidores ficam atentos à prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud, executivos do grupo J&F, que se entregaram ontem à Polícia Federal. O fato ameaça o acordo de leniência do grupo J&F, do qual a JBS faz parte e existe a leitura de que isso enfraqueceria a eventual nova denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer.
Já o Estadão observa toda a trama do mercado para a manutenção de Temer de forma mais profunda:
“A leitura do mercado é que a prisão de Joesley, aliada à saída do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, do cargo no fim desta semana, enfraquece a possibilidade de uma segunda denúncia contra Temer, que poderia ameaçar o governo. Com a permanência de Temer, crescem as expectativas de que a reforma da Previdência sairá este ano – ainda que menos ambiciosa que a proposta original.
A colaboração do ex-ministro petista Antonio Palocci com a Lava Jato também alavancou o Ibovespa, segundo o professor de estratégia financeira do Ibmec, Paulo Azevedo. ‘O acordo (do político com a Justiça) reduz as chances de uma candidatura de Lula em 2018, e o mercado financeiro prefere um governo de direita’, diz.”
Mas também há a necessidade de retirar o mercado de cena, quando o que está em jogo são os acordos obscuros dos políticos. Para Miriam Leitão: “A denúncia deve sofrer o mesmo impedimento de ir adiante na Câmara e pelo mesmo motivo. Temer é defendido porque muitos dos deputados se sentem pessoalmente ameaçados pelo avanço das investigações anticorrupção”. Ela também procura relacionar a imagem do PT com as falcatruas de Temer ao longo de seu texto.
Eu já tenho uma outra interpretação. É o mercado que quer a manutenção do presidente não eleito no poder, por isso ele não cairá. A carreira de Temer está no fim. Denegrir a sua imagem é o de menos. No entanto, nos dá a impressão de que a mídia está sim na luta contra os escândalos de corrupção. Que ela deseja purificar o País. Contudo, é preciso fazer o que é bom para o mercado.
As reformas impopulares devem ser feitas por esse governo para depois esquecer dele (e delas). Se livrar do mesmo. Depois da (desculpem-me a expressão) merda feita, o próprio mercado vai anunciar seu novo fantoche.
Guilherme Boulos destacou o candidato dos investidores em artigo para a Carta Capital:
“Diante da questão de quem será o vencedor da disputa em 2018, os investidores responderam da seguinte forma: 42% apostam em João Doria, 38% em Geraldo Alckmin, 6% em Lula, 3% em Marina Silva e outros 3% em Jair Bolsonaro. Chama atenção que Lula, líder em todas as pesquisas tanto em primeiro quanto no segundo turno, apareça com tão pouca probabilidade no cálculo dos endinheirados. Isso sinaliza a aposta em sua exclusão da disputa pelo tapetão do Judiciário ou ainda uma demasiada confiança na própria força para derrotá-lo nas urnas.”
O santo mercado
Há um interesse em moralizar o mercado, isentá-lo de qualquer suspeita de corrupção. Logo, os acusados de corrupção são afastados da relação com ele. A prisão de Joesley foi bom para o mercado, as ações de sua própria empresa aumentaram com o acontecimento. Se Temer cair, por conta da corrupção, não será de todo ruim, anuncia o discurso fabricado. Lula, por sua vez, tem que ficar inelegível porque os investidores não o querem, e por aí vai...
No entanto, não se quer tirar Temer. São necessários os votos de 342 deputados, ou seja, dois terços dos membros da Casa. Em uma coisa eu concordo com Miriam Leitão, dificilmente essa nova denúncia passará na Câmara, mas, diferente do que pensa a jornalista, não porque os picaretas estão com medo da investida contra a corrupção, mas porque todos são aliados do mercado, pagos por esse, e jamais votariam contrário aos interesses do capital. Colocar Rodrigo Maia no poder agora seria sujar uma brilhante carreira futura. Melhor permanecer nos bastidores e deixar o espetáculo sujo para quem está no fim. Pois, no futuro, o mercado pode precisar de seus serviços.
É o mercado financeiro quem dá as cartas. Isso é fruto do liberalismo conservador que é a narrativa oficial do Brasil moderno, como bem observou o sociólogo Jessé Souza: “A histeria acerca da corrupção política, por exemplo, identificada pela população e pela imprensa como maior problema nacional, advém do domínio dessas ideias. A identificação de uma suposta elite todo-poderosa no Estado, e não no mercado, suprema tolice que possibilita a virtual impossibilidade da ação predatória dos oligopólios e da intermediação financeira também é fruto dessa hegemonia”.
Sendo assim, não é a corrupção, juízes, desembargadores, o raio que o parta, o problema do Brasil, mas os interesses do mercado. A mídia incentiva uma boa rede de amparo social para ele. E se a corrupção fosse resolvida, quem o mercado iria culpar para sair com sua imagem ilesa das crises que ele mesmo provoca? A acusação de corrupção sempre foi usada ao longo da história da República para alterar governos e, assim, salvar o País das crises do capital. Nunca se pensa que o mercado funciona por meio de grandes transações corruptas. O homem é corrupto, não a entidade. Lembra o discurso dos que querem liberar o uso de armas pelo “cidadão de bem”: “o problema não é a arma e sim quem a usa” ou “a arma faz o furo, quem mata é Deus”. Hoje Deus é o mercado. Ou pelo menos é o que as grandes corporações midiáticas, que dele fazem parte, esmeram-se em descrever, livrando-o de qualquer ação pecaminosa que possa comprometer a nossa fé.
♦ Raphael Silva Fagundes é doutorando em História Política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
Caros Amigos
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