Toque do editor
Eu era muito jovem em 1964 e anos seguintes, mas, a partir do meu ingresso na esquerda em 1967, interessei-me em saber quais as causas da quase nenhuma resistência àquele golpe que os reacionários preparavam cuidadosamente há anos, mas acabou sendo precipitado por um aventureiro fardado que pôs seus recrutas a desfilarem pela Via Dutra antes da data marcada, como patinhos num estande de tiro... e, mesmo assim, derrubou o governo legítimo de João Goulart!
Não conseguia engolir que os patinhos tivessem concluído o passeio sem receberem tiro nenhum. Bastaria um caça da FAB disparar uma rajada de advertência e todos debandariam, voltando em desabalada carreira para Juiz de Fora!
Então, ouvi um sem-número de relatos de companheiros veteranos e li muito sobre o rigoroso processo de crítica e autocrítica da esquerda então ocorrido, que redundou em vários rachas e fusões, esvaziamento de antigas siglas (como o PCB, cuja hegemonia foi pro espaço) e surgimento de novas, afirmação de alguns líderes e desgraça de outros, além, é claro, da guinada para a luta armada.
"Eu vou/ Eu vou/ Derrubar governo, agora eu vou..."
Ingenuamente, esperei que acontecesse algo semelhante após a derrubada de Dilma Rousseff, até porque o fiasco desta vez foi maior ainda: os tanques nem sequer precisaram sair dos quartéis, mesmo que apenas para fins cenográficos, pois bastou um peteleco parlamentar para o governo trocar de mãos.
Como autocrítica não houve, com o PT mantendo sua hegemonia e perseverando em todos os erros que conduziram à derrota acachapante, só me resta continuar divulgando os textos das poucas vozes petistas que honram as melhores tradições da esquerda. Como o Frei Betto, de quem reproduzo, em seguida, os trechos principais de sua Autocrítica da esquerda (para ler a integra, clique aqui).
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"Não existe hoje, na América Latina, uma correlação de forças que assegure, em curto prazo, a superação do modelo desenvolvimentista neoliberal por um novo modelo de sociedade centrado nos direitos dos trabalhadores, na inclusão social dos setores marginalizados e excluídos, e na preservação ambiental.
Frei Betto: quem se cala, consente.
Alguns governos progressistas adotaram verdadeira esquizofrenia ao proferir um discurso político de esquerda e, ao mesmo tempo, abraçar uma política econômica regida pelo capital internacional, dependente da exportação de commodities, sem criar bases de sustentabilidade para o desenvolvimento do país.
No Brasil, no governo do PT adotou-se a emulação do crescimento (PAC), visando a, em primeiro lugar, anabolizar o PIB. E a dependência da exportação de matérias-primas, hoje elegantemente denominadas commodities, agravou o processo de desindustrialização.
A corrupção se entranhou nas estruturas governamentais, cooptou líderes políticos como agentes de interesses privados de grandes corporações e corroeu a credibilidade ética da esquerda. Abandonou-se o horizonte socialista e acreditou-se na política de inclusão assistencialista dos mais pobres, sem alterar minimamente as estruturas sociais e os direitos de propriedade.
"Sem alterar minimamente as estruturas sociais"
Cedeu-se à falácia de que o capitalismo é passível de humanização. Priorizou-se o acesso da população a bens pessoais (celular, computador, eletrodomésticos etc.) e não a bens sociais (alimentação, saúde, educação etc.).
Não houve empenho em preparar as bases de uma democracia participativa. Movimentos populares foram alijados como interlocutores preferenciais ou cooptados para atuarem como correia de transmissão entre governo e bases sociais.
É hora de fazer autocrítica e corrigir rotas, antes que seja demasiadamente tarde. Pena que, em seu congresso nacional, na primeira semana de junho, o PT tenha declinado desse dever político sob o pretexto de não dar munição aos adversários. Quem se cala, consente".
celsolungaretti
Naufrago da Utopia
Naufrago da Utopia
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