A Associação Juízes para a Democracia (AJD) protocolizou ofício à Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, manifestando a preocupação da entidade em razão de representação formulada por 23 (vinte e três) membros do Ministério Público contra o Juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho.
No ofício, a entidade, histórica defensora do aperfeiçoamento de mecanismos de controle externo sobre o Poder Judiciário, inclusive por intermédio de instituição de Ouvidorias Públicas com participação da sociedade civil, reitera a importância do exercício de representação, por qualquer do povo, contra autoridades públicas, conforme autorizado pela Constituição. Todavia, ponderou que a referida representação formulada por Promotores de Justiça pode configurar instrumento de intimidação contra a independência funcional dos juízes, essencial à independência do Judiciário enquanto Poder de Estado.
Tal ponderação decorre dos fundamentos que basearam a representação. Os 23 (vinte e três) Promotores de Justiça subscritores não imputaram objetivamente qualquer falta funcional praticada pelo Juiz Corcioli Filho. Limitaram-se a impugnar decisões do magistrado que privilegiava o controle rigoroso sobre a atividade policial, o diálogo em conflitos sociais e a regulação da atividade econômica.
A AJD reconhece que os membros do Ministério Público são titulares do direito – e do dever – de recorrer de decisões judiciais que não acolhem suas teses. Contudo, a representação à Corregedoria, via imputação genérica de falta funcional, não é o meio adequado a este fim, podendo configurar, a bem da verdade, um mecanismo de intimidação não só ao magistrado representado, mas a todos os Juízes que proferem decisões que garantem a aplicação das liberdades públicas previstas na Constituição em detrimento de recrudescimento do Estado policial ou do abuso do poder econômico.
Abaixo, o inteiro teor do ofício.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA – DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS.
REF: AUTOS Nº 95.822/2016 – SEMA 1.1.1 (2ª e última parte)
A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, nos quais se inserem a independência do Poder Judiciário, vem, respeitosamente, manifestar sua preocupação referente à representação formulada em face do Juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho, nos autos do procedimento em epígrafe, conforme se passa a expor.
Recentemente, a AJD tomou conhecimento de que seu associado Roberto Luiz Corcioli Filho, MM. Juiz de Direito deste Tribunal de Justiça de São Paulo, fora notificado para prestar informações em representação formulada por 23 (vinte e três) membros do Ministério Público. Tal fato, por si só, não configura qualquer anormalidade, pois, como se sabe, todo juiz, enquanto agente público, está sujeito a representação por qualquer do povo, conforme artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição da República.
Surpreende, porém, e daí o presente ofício, o fato dos ilustres Promotores de Justiça imputarem, como violação aos deveres funcionais do magistrado paulista, algumas decisões por ele proferidas, com cujo fundamento e conclusão não concordam. De forma mais específica, insurgem-se os membros do Ministério Público com fato de o referido Juiz de Direito paulista ter tomado decisões: (i) privilegiando o controle rigoroso sobre a atividade policial (para isso, relaxando prisões que entendia ilegais); (ii) o diálogo em conflitos sociais (designando, por exemplo, audiência de conciliação em caso de reintegração de posse contra sem-tetos, conforme, aliás, tem incentivado o TJSP) e (iii) a regulação da atividade econômica (vedando o uso de um aplicativo, que, segundo a imprensa citada pelos promotores, configuraria um “sistema que funciona”).
A independência do Poder Judiciário, para quem trabalhamos, consiste em importante conquista civilizatória do Estado de Direito, sendo considerado um de seus requisitos essenciais. É sempre importante anotar que a real independência da atividade jurisdicional implica na atribuição a todos os que exercem a magistratura – de um Juiz Substituto recém-ingresso na carreira a um ministro do Supremo Tribunal Federal – da possibilidade de decidirem conforme sua convicção jurídica, livres de qualquer instrumento de pressão indevida por parte dos demais agentes oficiais.
Não há como não interpretar uma representação subscrita por 23 (vinte e três) Promotores de Justiça, em razão da fundamentação e da conclusão de decisões proferidas, senão como um instrumento de pressão indevida oriunda de agentes externos do Judiciário. Poderiam (e deveriam, caso discordassem) recorrer das decisões; mas, ao que parece, preferem a intimidação contra um magistrado, a ser interpretada, não como uma ameaça individual, mas como uma intimidação a todos os magistrados paulistas que proferirem decisões contrárias a teses jurídicas do Ministério Público.
Em última instância, a representação ora debatida configura instrumento intimidação contra o Tribunal de Justiça de São Paulo, representante do Poder Judiciário paulista perante a estrutura federativa brasileira.
Por tudo isso, a Associação Juízes para a Democracia, entidade que há 25 (vinte e cinco) anos defende, de forma intransigente, a independência funcional, tem a convicção que esta Corregedoria-Geral de Justiça atuará de modo a preservar a independência do Poder Judiciário paulista, arquivando, de pronto, a representação em questão.
Aproveita-se a oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os protestos de elevada estima e distinta consideração.
São Paulo, 21 de junho de 2016.
André Augusto Salvador Bezerra
Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia
Empório do Direito
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