sexta-feira, 29 de julho de 2016

Efeitos perversos da salvação do país


Juremir  Machado

A ideia era boa. Combater a corrupção. Eles se vestiram de verde e amarelo e foram às ruas. Eram homens e mulheres de meia idade com alguns anos de trabalho pela frente. Eram senhoras e senhores aposentados. Eram jovens preocupados com o futuro. A causa era tão urgente que, para tirar os corruptos do governo, aceitaram colocar no lugar deles gente de reputação duvidosa, mas que lhes parecia menos pior. Panelas bateram. Manifestações multiplicaram-se. Parques, antes reservados ao lazer das elites, viraram palcos de ação política.

O governo corrupto caiu. Os ex-aliados dos depostos assumiram as rédeas do país. Para deslumbramento do chamado mercado, anunciaram o que pretendem fazer: reforma da previdência, desmontagem da legislação trabalhista e reformulação dos programas sociais. O cinquentão de camisa da CBF que lutou contra a corrupção do antigo governo e que aceitou o pretexto para o impeachment como suficiente descobre a sua nova realidade: em lugar de se aposentar dentro de quatro ou cinco anos, terá de trabalhar, na melhor das hipóteses, mais 40% além do tempo previsto, ou, na hipótese intermediária, até 65 anos de idade, ou, ainda, quem sabe, até 70 anos de sua vidinha.

O aposentado, que se sentiu de volta à ativa enrolado na bandeira nacional, recebe o seu quinhão: o reajuste das aposentadorias será desvinculado do aumento do salário mínimo. O seu ganho, depois de ter trabalhado muito, vai minguar mais a cada ano. Além disso, rubricas com porcentagem de gastos obrigatórios no orçamento federal, como educação e saúde, perderão esse caráter impositivo. Jovens e aposentados viverão o mesmo drama na hora da maior necessidade: o Estado poderá gastar menos em educação e em saúde. O cenário de horror é apresentado como o portal do paraíso.

O trabalhador que só queria um país mais honesto fica sabendo que alguns pensam em fazê-lo trabalhar 60 ou 80 horas semanais até que complete 70 anos de vida. O plano inclui “flexibilização” da jornada diária de trabalho e dos salários: leia-se, trabalhar mais e ganhar menos. O negociado deve prevalecer sobre o legislado. Traduzindo, a lei não vale mais. Os ricos riem sozinhos. A mídia mancheteia: país dá sinais de recuperação. FMI fala em crescimento. Programas como Ciência sem Fronteiras dispensam alunos de graduação.

Pobres dos velhinhos aposentados, coitados dos jovens, que pena dos brasileiros próximos da aposentadoria, acreditaram que o maior problema do país era a corrupção e que os novos donos do poder trariam honestidade, transparência e progresso. Sabem agora que eles não querem novas eleições por uma simples razão: nas urnas, não obteriam votos para implantar reformas que assaltam direitos adquiridos, saqueiam a plebe e enchem de alegria e ganhos os donos dos camarotes nacionais. O remédio, além de amargo, tem efeitos colaterais nefastos. Mata o pobre para engordar o rico. É macabro.

– Vão nos roubar até a pensão – exclama um velhinho.

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