terça-feira, 26 de julho de 2016

DIAP: Reforma trabalhista e fontes de direito

O movimento sindical precisa urgentemente buscar aliados na sociedade, especialmente entre os defensores dos direitos humanos, para evitar que esses retrocessos se materializem. Só com grandes campanhas de esclarecimento sobre o que significam essas reformas e muita mobilização e pressão será possível fazer um enfrentamento minimamente vitorioso, senão com a rejeição de todas essas propostas malucas, pelo menos com uma drástica redução de seu escopo. Os desafios são grandes e todos precisam se mobilizar, sob pena de perda de direitos históricos.

Antônio Augusto de Queiroz*

O trabalho no Brasil possui três fontes de direito: 1) a lei em sentido amplo (Constituição, leis complementares e ordinárias, e tratados internacionais, como as convenções da OIT), 2) a negociação coletiva (acordos e convenções coletivas de trabalho) e 3) a Sentença Normativa da Justiça do Trabalho.

A reforma trabalhista, nos termos propostos pelo ministro do Trabalho, que inclui a terceirização generalizada, a prevalência do negociado sobre o legislado e a retirada da vigência provisória do programa de proteção ao emprego (PPE), atinge todas essas fontes de direito, comprometendo, de forma irremediável, as conquistas laborais, mediante a flexibilização, redução ou eliminação de direitos.

A terceirização, no formato aprovado na Câmara e enviado ao Senado, generaliza essa prática, atualmente restrita à atividade-meio da empresa, autoriza a pejotização, permite a quarteirização e compromete a representação sindical dos trabalhadores.

Assim, em lugar de dar garantias aos trabalhadores terceirizados, precariza os direitos dos atuais trabalhadores contratados diretamente pela empresa, sem intermediação de mão-de-obra. Além disto permite que o trabalhador se transforme em pessoa jurídica, autorizando a empresa tomadora do serviço a contratar um serviço e não um empregado, com todas as consequências que disso decorrem, como a completa ausência de garantias trabalhistas e previdenciárias.

No caso da prevalência do negociado sobre o legislado, a consequência será a extinção do Direito do Trabalho como norma de ordem pública e caráter irrenunciável. A lei só valerá se acordo ou convenção coletiva (e há quem defenda que essa negociação pode ser direta entre empregado e empregador) não dispuser de modo diferente.

A mudança, caso aconteça, altera completamente a relação de trabalho atual, na qual nenhum sindicato, exceto em situações excepcionalíssimas, poderá negociar redução de direitos. A negociação é sempre para acrescentar, já que os direitos assegurados em lei são inegociáveis ou irrenunciáveis.

Com a nova regra o patrão adquire um poder de barganha que atualmente não dispõe: o de ameaçar com mudança da planta da empresa para outra localidade, caso os trabalhadores não pressionem ou forcem o sindicato a aceitar a redução ou eliminação de alguns direitos. O empregado, para preservar o essencial, o emprego, certamente cederá no acessório, ou seja, abrirá mão de alguns direitos ou conquistas, desmoralizando a organização sindical.

A retirada do caráter provisório do programa de proteção do emprego (PPE), por sua vez, significará uma forma de flexibilização, ainda que em menor escala do que a prevalência plena do negociado sobre o legislado, já que exige a comprovação de uma situação de crise real. De qualquer forma, representará um retrocesso, que, aliás, foi tentado quando da votação da lei no Congresso Nacional.

A reforma trabalhista em debate, portanto, poderá comprometer não apenas o Direito do Trabalho, que perde seu caráter irrenunciável e de ordem pública, mas também a própria Justiça do Trabalho, que só se justifica para fazer cumprir os direitos trabalhistas, além de inviabilizar a própria organização sindical, que passará a enfrentar a pressão do trabalhador e não mais diretamente do patrão. O risco de retrocesso, realmente, é muito grande, se considerarmos a correlação de forças no governo e no Parlamento.

Não bastasse tudo isso, os representantes empresariais e governamentais enlouqueceram, ao propor o retorno ao período medieval, cujas práticas são equivalentes ao trabalho escravo ou degradante. Líderes de importantes entidades empresariais tem defendido: 1) intervalo de 15 minutos para almoço e, ainda assim, com o trabalhador comendo um sanduíche com uma mão e operando a máquina com a outra e 2) jornada semanal de 80 horas. E autoridades governamentais pretendem propor idade mínima de 70 anos para aposentadoria. Aonde vamos chegar?

O movimento sindical precisa urgentemente buscar aliados na sociedade, especialmente entre os defensores dos direitos humanos, para evitar que esses retrocessos se materializem. Só com grandes campanhas de esclarecimento sobre o que significam essas reformas e muita mobilização e pressão será possível fazer um enfrentamento minimamente vitorioso, senão com a rejeição de todas essas propostas malucas, pelo menos com uma drástica redução de seu escopo. Os desafios são grandes e todos precisam se mobilizar, sob pena de perda de direitos históricos.

(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap

Diap


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