terça-feira, 24 de maio de 2016
Safatle: “A era das panelas em fúria terminou. A verdadeira era da indignação pode começar”
Vladimir Safatle
“Sete citados na Operação Lava Jato viram ministro e ganham foro privilegiado”, “Novo ministro dos Transportes é suspeito de desvio de verba de merenda escolar”, “Itamaraty fornece passaporte diplomático a pastor citado na Lava Jato”, “Brasil tem pela primeira vez presidente acusado de ser ficha suja”, “Gilmar Mendes [quem mais?] reenvia processo contra Aécio Neves à Procuradoria-Geral da República em menos de 24 horas”, “Novo líder do governo na Câmara é acusado de homicídio”.
Digamos que todo o processo de “impeachment” de Dilma Rousseff tivesse sido, de fato, impulsionado pela indignação popular contra a corrupção sistêmica no governo.
Se este fosse realmente o caso, teríamos, neste exato momento, um barulho ensurdecedor de panelas, milhares de pessoas iradas vestindo verde e amarelo nas ruas e a imprensa em coro pedindo a destituição do presidente interino e seu governo postiço de corruptos. Uma semana bastou para mostrar ao mundo o grau zero de comprometimento contra a corrupção da oligarquia que tomou de assalto o poder.
Mas não, meus amigos, vocês não estão ouvindo panelas, nem vendo seu vizinho urrar impropérios contra o governo, nem o senhor Sérgio Moro continua no noticiário com sua pretensa caça implacável e destemida contra usurpadores do bem comum.
(…)
Era claro que o Brasil entrara, desde 2013, em um compasso insuportável de frustração. Haviam prometido ao povo brasileiro que nosso país seria a quinta economia do mundo, que a Copa do Mundo e as Olimpíadas seriam momentos mágicos de aquecimento da economia e reconstituição da infraestrutura de nossas cidades, que estaríamos nadando em dinheiro do pré-sal com 75% destes rendimentos aplicados em educação.
No entanto, o que se viu foram cidades cada vez mais excludentes com preços exorbitantes de imóveis, serviços públicos sucateados, desenvolvimento concentrado e aumento exponencial do endividamento das famílias. Contra isso, o governo Dilma só ofereceu imobilismo e o discurso de que “o Brasil tinha avançado muito, mas precisa avançar mais”.
Ninguém precisa ser PhD em psicologia social para perceber a situação explosiva em que nos encontrávamos. Duas saídas eram possíveis.
A primeira era a consolidação de uma dinâmica de transformações sociais radicais por meio da abertura de espaço à emergência de novos sujeitos políticos com clara força de atualização de visões alternativas de desenvolvimento social. Mas isto não ocorreu, a classe política brasileira estava completamente envelhecida para abrir tal espaço, até mesmo as forças oposicionistas eram incapazes de mobilizar alguém em prol de um projeto. Elas só conseguiam mobilizar as pessoas contra algo.
(…)
Expiada a frustração, sacrificados os inimigos, todos podiam então voltar para casa e se submeter aos mesmos políticos corruptos de sempre, enquanto eles espoliam ainda mais nossos direitos. Assim, a era das panelas em fúria terminou. Agora, a verdadeira era da indignação pode começar.
Diário do Centro do Mundo
Marcadores:
dilma,
golpe,
impeachment,
indignação,
lava jato,
ministro,
panela,
safatle
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário