terça-feira, 17 de maio de 2016

A xepa do golpe



Wanderley Guilherme dos Santos 

Consumado o golpe, aparecem os teóricos do golpe consumado; como de hábito, culpando as vítimas. Mas essa não é a única xepa servida e por servir na feira do adesismo. Por razões de caráter, desespero ou tentativa de reduzir o estrago, as fileiras da resistência democrática emagrecerão. Carpideiras ficarão imobilizadas, descrentes na eficácia da oposição radical. “Oposição radical”, que fique claro, significa recusar reconhecimento aos usurpadores e, consequentemente, desobrigação de obedecer a suas diretivas. 


Significa, ainda, compromisso com ações, discursos, panfletos, ocupações e escrachos que denunciem a usurpação política e a folha corrida de roubalheiras das fúnebres figuras do governo interino de Michel Temer. A democracia brasileira só será restabelecida quando a presidência da República for ocupada por alguém eleito por votação direta e livre.
 

Diz um xepeiro, assustado ex-resistente, que se o impedimento foi aprovado pelo Congresso e pelo Judiciário, então não houve golpe. Como? Imaginem a cena sem a qual, segundo essa xepa, seria impróprio falar em usurpação: Eduardo Cunha anunciando que o golpe foi aprovado por 367 democratas! De fato, não houve a declaração. E ainda para definitiva tranquilidade do xepeiro, o presidente do STF irá declarar (como não?) que sendo o rito constitucional translúcido, não cabe ao Judiciário apreciar, no mérito, decisões do Legislativo (muitos sabendo, contudo, tratar-se de condenação sem comprovada prática de crime). Em socorro à boa consciência dos xepeiros acode, ademais, o engodo de que é safra do melhor Direito, em qualquer caso, avaliar o estrito formalismo do processo, às favas a base factual em que se apoie. 

Assim justificava-se, em 1964, que depois das escaramuças políticas e jurídicas dos primeiros instantes, pois combates não houve, o depurado Congresso tenha colaborado com a ditadura, e o Supremo, fiel à tradição, referendado tudo: a tortura que oficialmente nunca houve e os desaparecidos que oficialmente nunca existiram. Os xepeiros da época também vigiavam bravamente o exemplar cumprimento das leis, dormindo sem pesadelos ou coronhadas à porta de casa, altas madrugadas.
 

Outro contingente de xepeiros recrutará cientistas aborrecidos com a incorporação do antigo ministério ao atual remanso das Comunicações, mas satisfeitos se o responsável pela nova Secretaria for escolhido por indicação de respeitáveis Associações. Rápidas, as celebridades das Artes começam a busca por mulheres para o defenestrado ministério da Cultura, ressuscitado como Secretaria. E aí ficará tudo bem. Que direitos humanos, integração racial, incorporação regional, inclusão social, que nada! Qual democracia, meu catso? Cada um por si, que com Deus negociam os evangélicos.
 

Depois de expurgadas, contarão as reservas da resistência democrática com voluntariado realista. Não caberá surpresa nem susto quando os usurpadores cumprirem a promessa de aplicar com severidade a legalidade de Romero Jucá, Michel Temer e associados, com a garantia da grife STF. Nada a esperar das instituições: Lula vai ser preso; Dilma Roussef, enxovalhada, sua derrubada definitiva virá de processo quase sumário. Não dura nem dois meses. Os xepeiros ficarão calados. A Lava-Jato, depois de pirilampos em torno de tucanos sem importância, vai investir na destruição de todos os políticos progressistas, embora, consultem os nomes e números oficiais, a vasta maioria de inequívocos corruptos sentenciados até agora seja de peemedebistas (PMDB) e pepistas (PP).
 

Os resistentes à usurpação são, desde já, tidos por sublevados e subversivos. Mas os xepeiros, calados estão, calados continuarão, apenas observando a generosidade com que a “lei” desaba sobre o País.

 

Segunda Opinião

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