sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A Suécia ensaia a jornada de 6 horas de trabalho


Antonio Martins
Manifestação em favor dos imigrantes em Estocolmo (2015): versão igualitária e livre do Estado de bem-estar social deixou raízes na Suécia

Tapa na cara de quem acredita em “austeridade” e “sacrifícios”: até empresas concluem que trabalhar menos, mantendo o salário, amplia as horas de ócio sem reduzir a produtividade


Símbolos, nos anos 1960 a 80, do Estado de Bem-Estar Social em sua versão mais igualitária, os países do Norte da Europa regrediram muito, neste século. A Suécia tem um governo conservador que colabora estreitamente com os EUA no esforço para manter Julian Assange encarcerado na minúscula embaixada do Equador em Londres. A Finlândia figurou, junto com a Alemanha, na linha de frente dos Estados que impuseram à Grécia, há meses, um recuo humilhante na negociação com seus credores. E, no entanto, algo da antiga tradição distributivista e anti-aristocrática resiste.

Um sinal são os crescentes acordos que estão reduzindo substancialmente, na Suécia, as jornadas de trabalho. Não se trata de mudanças cosméticas: as reduções do tempo laboral para 30 horas semanais (apenas 6 horas trabalhadas, de segunda a sexta) estão se tornando frequentes. Surpresa reveladora: em muitos casos, as empresas aceitam de bom grado a mudança. Ao fazê-lo, revelam na prática como são atrasadas as concepções segundo as quais é preciso “sacrificar-se” em tempos de crise.

Uma matéria publicada. há dias no Independent inglês explica a lógica. Tomando por base três empresas — uma transnacional da indústria com sede em Tóquio e planta em Estocolmo (Toyota), uma desenvolverdora de aplicativos para internet (Filimundus) e a adminstradora de uma casa de repouso para idosos (Svartedalens), o texto revela que as reduções de jornada estão se espalhando por todos os setores da economia sueca. As mudanças comportamentais decorrentes são notáveis e diversas. Mas uma conclusão geral se impõe: a ideia calvinista de que trabalhar mais horas resulta em maior bem-estar tornou-se, hoje, totalmente falsa.

Na Filimundus, inserida no setor emergente da Tecnologia de Informação, o próprio presidente, Linus Feldt, reconhece: “Queremos passar mais tempo com nossas famílias, aprender coisas novas ou nos exercitar mais. (…) Acho que a jornada de 8 horas não é tão efetiva quanto pensávamos”. A redução do tempo diário de trabalho, que foi adotada sem mexer nos salários, teve outro tipo de contrapartida. Recomendou-se, com sucesso (porém sem imposições), que os trabalhadores dispersassem menos tempo nas redes sociais. “Minha impressão é de que é mais fácil focar-se de modo mais intenso no trabalho se você sabe que terá energia quando sair da empresa”, diz Feldt.

Na filial sueca da Toyota, a jornada de 6 horas diárias já completou 13 anos. Os próprios administradores admitem que os trabalhadores estão mais felizes, há muito menos perdas com demissões e a empresa tornou-se capaz de atrair os jovens suecos mais habilidosos. O exemplo da Svartedalens com o cuidado de idosos parece igualmente notável. Ele já inspirou empreendimentos similares — um hospital ortopédico na Universidade de Gotemburgo e a enfermaria de dois hospitais no norte do país — a reduzir em duas horas o tempo diário de trabalho.

As experiências relatadas pelo Independent limitam-se às relações capitalistas. Em todos os casos, empresas cujo objetivo central é o lucro — e não a satisfação dos desejos humanos — ganharam, quando se afastaram da ortodoxia que comanda o sistema, onde ele é mais primitivo. Vale perguntar: até onde será possível chegar, se formos capazes de mudar de lógica, substituindo a expectativa banal do lucro pela busca, compartilhada e consciente, de novas formas de estar no mundo e transformá-lo?


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