A plebe rude e ignara num país de escravocratas
0 pior sentimento que pode dominar uma campanha política é o do ódio, da ira, do preconceito e da discriminação.
Ele próprio é um sinal do baixo grau de socialização política de uma disputa eleitoral. É como se praticássemos a política do amigo e do inimigo: quem não está comigo, está contra mim. Não há espaço para argumentos, debates, críticas e o contraditório. Só acusações, queixas, ressentimentos. É preciso convir que estas eleições foram as mais despolitizadas dos últimos tempos. Em vez de teses, programas e proposições, xingamentos, ofensas, insinuações.
Não há dúvida que parte disso tem a ver com a entrada da candidata Marina Silva na disputa eleitoral. Irmã Marina, desculpe-nos os seus seguidores, rebaixou o nível da campanha a uma discussão (arenga) teológica ou de costumes, retirando o caráter republicano do pleito e levando-o para um culto da Assembléia de Deus (variante pentecostal do Cristianismo reformado). Enquanto a campanha era disputada entre partidos, candidatos e projetos institucionais (PSB, PSDB, PT) o tom do debate foi um. Depois que Marina Silva foi ungida pela família Campos Accioly como sucessora de Eduardo Accioly Campos, o tom foi outro.
É de se acrescentar que a entrada da família do ex-governador na cena política acabou conferindo uma fisionomia familiar (e regional) à candidata do PSB. Tornou-se uma questão de "honra", quase pessoal e familiar derrotar a candidata do PT. Essa vingança comprometeu a serenidade das eleições. Pareceu uma cruzada de Deus contra o Satanás, do cristão contra o agnóstico ou ateu, da honestidade contra a desonestidade. Se estivéssemos na época da UDN e o candidato fosse Jânio Quadros contra o Marechal Lott, daria para entender os termos dessa discussão. Uma querela sobre os usos e costumes da família brasileira, sua religião, suas idéias sobre o sexo, o casamento, a família etc. Mas é bom lembrar que o Brasil mudou muito e a TFP praticamente desapareceu do cenário político brasileiro. Então como entender que depois da derrota da irmã Marina, esse clima perdure, continue na campanha eleitoral?
Ódio de classe? - Ressentimento social? - Aqui, gostaria de tocar num ponto delicado: a ideologia das classes médias urbanas no Brasil, sobretudo a de São Paulo. Não é de hoje que conhecemos a natureza do "civilismo" dessas camadas médias, que foram a base da preferência por Rui Barbosa contra Hermes da Fonseca. Esse bendito "civilismo" é impenetrável a qualquer apelo socialista ou comunista. Se é pródigo em acolher o discurso moralista da UDN, é perfeitamente refratário a qualquer estribilho ou refrão levemente social. Não é à toa que os políticos do PSBD façam sua festa eleitoral em São Paulo, este colégio eleitoral prefere eleger Maluf, Ademar do Barros, Jânio Quadros, 0restes Quércia do que um político socialista ou identificado com os interesses das classes trabalhadoras.
A nossa classe média tradicional vestiu a camisa verde-amarela, nessas eleições, não por causa da seleção brasileira ou algum arremedo de cultura cívica, republicana, vestiu a camisa auri-verde numa clara demonstração de ódio, de preconceito, de discriminação em relação aos mais pobres, os miseráveis, os trabalhadores de salário mínimo, usuários do SUS, do péssimo transporte público, do barraco ou da casinha popular. Preconceito que tornou-se regional, estimulado pelo príncipe dos sociólogos, FHC, contra os nordestinos pobres, beneficiários das políticas de transferência de renda, do Governo Federal. 0s mesmos miseráveis que ajudaram a elegê-los por duas vezes, com o auxílio das oligarquias nordestinas.
Não pode haver dúvida de que estamos diante de uma divisão, uma polarização política e social, nesta eleição: de uma lado está o povo, a arraia miúda, os tabaréus, a plebe rude e ignara e o seu desejo legitimo de ser aceita e reconhecida socialmente, num país de escravocratas disfarçados, de outro, um bloco histórico reacionário, privatista, preocupado com a defesa de seus privilégios sociais, cujo candidato vem manipulando como pode esse moralismo despolitizado das classes médias urbanas no Brasil.
O que virá depois? - As cruzadas do evangelho para caçar e queimar em praça viva os comunistas, os ateus, os agnósticos ou simplesmente aqueles que não compactuam com a reprodução desse monumento de iniquidade que é a sociedade brasileira?
Michel Zaidan Filho é cientista político, filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Blog do Jolugue
É de se acrescentar que a entrada da família do ex-governador na cena política acabou conferindo uma fisionomia familiar (e regional) à candidata do PSB. Tornou-se uma questão de "honra", quase pessoal e familiar derrotar a candidata do PT. Essa vingança comprometeu a serenidade das eleições. Pareceu uma cruzada de Deus contra o Satanás, do cristão contra o agnóstico ou ateu, da honestidade contra a desonestidade. Se estivéssemos na época da UDN e o candidato fosse Jânio Quadros contra o Marechal Lott, daria para entender os termos dessa discussão. Uma querela sobre os usos e costumes da família brasileira, sua religião, suas idéias sobre o sexo, o casamento, a família etc. Mas é bom lembrar que o Brasil mudou muito e a TFP praticamente desapareceu do cenário político brasileiro. Então como entender que depois da derrota da irmã Marina, esse clima perdure, continue na campanha eleitoral?
Ódio de classe? - Ressentimento social? - Aqui, gostaria de tocar num ponto delicado: a ideologia das classes médias urbanas no Brasil, sobretudo a de São Paulo. Não é de hoje que conhecemos a natureza do "civilismo" dessas camadas médias, que foram a base da preferência por Rui Barbosa contra Hermes da Fonseca. Esse bendito "civilismo" é impenetrável a qualquer apelo socialista ou comunista. Se é pródigo em acolher o discurso moralista da UDN, é perfeitamente refratário a qualquer estribilho ou refrão levemente social. Não é à toa que os políticos do PSBD façam sua festa eleitoral em São Paulo, este colégio eleitoral prefere eleger Maluf, Ademar do Barros, Jânio Quadros, 0restes Quércia do que um político socialista ou identificado com os interesses das classes trabalhadoras.
A nossa classe média tradicional vestiu a camisa verde-amarela, nessas eleições, não por causa da seleção brasileira ou algum arremedo de cultura cívica, republicana, vestiu a camisa auri-verde numa clara demonstração de ódio, de preconceito, de discriminação em relação aos mais pobres, os miseráveis, os trabalhadores de salário mínimo, usuários do SUS, do péssimo transporte público, do barraco ou da casinha popular. Preconceito que tornou-se regional, estimulado pelo príncipe dos sociólogos, FHC, contra os nordestinos pobres, beneficiários das políticas de transferência de renda, do Governo Federal. 0s mesmos miseráveis que ajudaram a elegê-los por duas vezes, com o auxílio das oligarquias nordestinas.
Não pode haver dúvida de que estamos diante de uma divisão, uma polarização política e social, nesta eleição: de uma lado está o povo, a arraia miúda, os tabaréus, a plebe rude e ignara e o seu desejo legitimo de ser aceita e reconhecida socialmente, num país de escravocratas disfarçados, de outro, um bloco histórico reacionário, privatista, preocupado com a defesa de seus privilégios sociais, cujo candidato vem manipulando como pode esse moralismo despolitizado das classes médias urbanas no Brasil.
O que virá depois? - As cruzadas do evangelho para caçar e queimar em praça viva os comunistas, os ateus, os agnósticos ou simplesmente aqueles que não compactuam com a reprodução desse monumento de iniquidade que é a sociedade brasileira?
Michel Zaidan Filho é cientista político, filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
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