Mary del Priore
Véspera do Dia das Crianças, nada melhor que refletir um pouco sobre o implacável apelo da publicidade sobre os pequenos. O consumismo desenfreado tem trazido graves consequências entre os mais jovens: frustração, sentimento de onipotência, incapacidade de lidar com contrariedades, comportamento egocêntrico. Será que enchê-los de presentes e fazer-lhes todas as vontades é a melhor forma de educá-los?
“Mamãe eu quero! ” foi o bordão de uma deliciosa marchinha de Carnaval, conhecida de todos nós. Mas a mesma a frase dita na fila do supermercado, entre gritos histéricos e ameaças de choro infantil, dá-nos o que pensar. Nossas crianças vivem cercadas de objetos e mensagens publicitárias que as incitam a não deixar um mundo em que toda a forma de querer é voltada à satisfação imediata. Sim, sabemos que elas são o maior alvo da publicidade na televisão, publicidade que insiste em pintar-lhes um mundo de consumo; mas sabemos também que os adultos são os maiores exemplos. E que exemplos!
Uma criança, sem interferência dos pais, aprende, pela vitrine que é a “telinha”, uma série de coisas. Ela aprende, por exemplo, que a alegria está num produto, que o sonho está no consumo de marcas, que o prazer é um direito fundamental do ser humano e que o querer é a única lei. Ela aprende também que a abundância de coisas é um dado natural e gratuito do processo técnico e que tudo pode ser imediatamente encontrado no shopping mais próximo. Enfim, ela registra que pode encontrar a felicidade consumindo. Ela subordina o sentido de sua vida às finalidades da sociedade de consumo; seu desejo se desdobra no querer de múltiplos bens, de imagens a consumir.
Viver assim, como bem diz um sociólogo, é “lamber os beiços diante de uma existência açucarada”. Essa visão de um mundo cheio de prazeres e poderes concorre, contudo, com a experiência da realidade. Realidade logicamente insatisfatória se comparada às maravilhas da euforia prometida. Em relação ao sonho publicitário, o conto de fadas tem pelo menos duas vantagens: ele comporta realidades cruéis que fazem com que o princípio de realidade não seja esquecido; e propõe uma história imaginada e a criança sabe que se trata de imaginação. O sonho publicitário, ao contrário, tudo promete — pela compra ou pelo consumo. Ele abre as portas à inevitável frustração, sobretudo para nossas crianças pobres e expectadoras da televisão.
Idealmente representada no seio do universo publicitário, a criança se pergunta por que deixar esse mundo ou, então, por que crescer, se ela já tem prazer e poder? Os pais, por sua vez, maravilham-se e calam-se diante dessa infância protegida em meio a objetos e às delícias do consumo. Os gritos diante do carrinho de supermercado meio-vazio me fazem constatar que estamos, infelizmente, educando crianças que são o fruto de um sistema que as modela à sua imagem. Crianças que querer o mundo, em vez de construir suas personalidades a partir do verdadeiro desejo. Contra a ditadura do querer, é preciso reaprender a desejar.
Historia Hoje
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