Por Otávio Augusto Winck Nunes
A Cia. Teatro ao Quadrado, oportunamente, estreou neste mês de outubro, a peça teatral Os homens do triângulo rosa. A peça esteve em cartaz, para breve temporada, no último final de semana no Theatro São Pedro, mas retorna aos palcos, dia 24 de outubro, no Teatro Renascença.
A peça trata de um tema em nada cor-de-rosa, e pior ainda, muito desconhecido: a perseguição aos homossexuais durante a ascensão do nazismo ao poder. É o retrato de uma das tantas tentativas de extermínio impetrada por humanos contra seus semelhantes. A peça, então, discute uma prática que ocorreu durante o nazismo. Os gays, quando descobertos ou acusados de suas práticas, iam para os campos de concentração e portavam sobre suas vestes um triângulo rosa, e não amarelo como os judeus.
O rosa alude à interpretação apressada e, muitas vezes, equivocada, que um homem gay carrega uma parte feminina, pela qual se confundiria e seria confundido, o que justificaria sua perseguição. Duplo preconceito. Em relação ao triângulo amarelo, os gays estariam numa escala menor, ou seja, eram mais mal-tratados – se é que é possível imaginar isso – que os judeus.
No âmbito das atrocidades humanas, o século XX não fica em nada a dever aos que o precederam. Mesmo que tenha vindo na sequência ao século das luzes, é tão carregado de trevas quanto os anteriores. Com mais tecnologia é verdade. Extermínio de armênios, de judeus, de negros, de homossexuais, de políticos de diversas tendências. A lista é grande e, para piorar o quadro, não tem previsão de final. Infelizmente.
Está certo, os extermínios (podemos atenuar o termo, se preferirem) aparecem de outras formas, com mais sutileza, com mais requinte. Mas não deixa de ser surpreendente e aterrador que a civilização mesmo com tantos avanços, ainda tenha tamanha intolerância aos que, por diferentes motivos, levam suas vidas, ou tem em suas histórias, em seu corpo, marcas ou desejos que não são homogêneos aos que se advogam detentores da razão ou do poder, ou de algo equivalente.
Já se apelou para tudo para explicar as questões que envolvem a homossexualidade, seja a masculina seja a feminina, que vai da genética à possessão, ou seja da ciência à religião. Todos os artifícios foram empregados para explicar algo que embora de simples concepção, é de complexa resolução, que é o desejo. É uma resposta muito simples, embora seja a única que efetivamente responda por levar ao mais íntimo de cada um. E, por favor, não se apregoe ao desejo a pecha de hedonismo. O desejo é bem mais arguto, sutil, que a busca de prazer puro e simples.
O oportuno da montagem – Os homens do triângulo rosa – é retratar uma realidade ainda vigente não só nos debates entre os inclassificáveis e intolerantes candidatos a presidente desse país já que o fenômeno é mais antigo e abrangente. A intolerância que, quando atenuada pode ser chamada de preconceito, abrange tanto a esfera pública quanto a esfera privada. Podemos encontrar nas mais diferentes e inusitadas situações sociais – seja na família, na escola, nas amizades, nos clubes, nas diferentes instituições pelas quais passamos.
Então, entre os méritos do espetáculo que têm muitos – destaco as sensíveis interpretações de Marcelo Adams e Frederico Vasques – é trazer nesse momento mais uma contribuição para reflexão, e com muita emoção. Uma montagem singular e sensível como o tema exige, que não cai no apelo, nem na vitimização que custa tão caro às discussões.
A discussão política não acabará com o preconceito obviamente. Mas, está sendo necessário para fazer diferença frente ao que vivemos. A inclusão do debate nessa esfera poderia, justamente, dar outro tipo de legitimidade à questão sexual que sempre retorna. Pode ser quanto aos gays, como quanto às mulheres, pouco importa. Mas, só teremos algum avanço, se o ódio que ela desencadeia puder ter outro destino que não o de exterminar com os semelhantes.
Otávio Augusto Winck Nunes é Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOA. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento/UFRGS, e mestre em Psicanálise e Psicopatologia pela Universidade de Paris 7.
Sul 21
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