Há duas semanas, o jornal Le Parisien fazia a publicidade de mais um livro, entre tantos, endereçado aos pais, tendo por objetivo educá-los a educar seus filhos. Não me perguntem a educação que estes educadores de pais – os chamados coach – eles mesmos receberam – se isto tivesse alguma importância -, mas o certo é que eles parecem saber como funciona a coisa, distribuindo as receitas a pais desamparados. Trata-se de receitas de bom senso que parece termos perdido com o decorrer do tempo. Não quero dizer com isto que outrora o bom senso fosse “melhor”. Mas nota-se algo da perda da eficiência do lugar de autoridade de um pai ou de uma mãe em relação ao filho quando se trata de colocar o famoso limite.
Digamos que os adultos encontram-se frequentemente preocupados em calcular seus gestos e falas, em termos de excesso ou de falta, pensando, por exemplo, no horror de um trauma que comprometeria o futuro de suas crianças. Enquanto que o bom senso antigo não fazia cálculo: “é assim mesmo e não se discute”.
Da velha interdição, em que a ação repousava no arbitrário de que isto é certo e aquilo é errado e cuja medida podia ser a paciência do adulto, passamos pela geração do “é proibido proibir”, encontrando-nos hoje diante de pais mais amorosos de seus filhos do que nunca, porém desnorteados, e às vezes infantilizados, sem valor de medida para suas ações.
Paradoxalmente, e diria mesmo inversamente, se os adultos encontram-se em dificuldade para dizer “não” aos seus filhos, eles tendem facilmente a dizer “não” àquilo que, enquanto filhos, pensam ter recebido. Outro dia uma moça, que já era mãe, me contava por que razão ela desejara ter mais de um filho: tendo sido filha única, não queria que os seus sofressem da mesma solidão de sua infância. Mas vejam bem, uma outra mulher, tendo sido a mais velha de uma progenitura de quatro, quis ter um único filho para poupá-lo da rivalidade feroz e fraterna que ela mesma tinha conhecido. Esta sequência remeteu-me imediatamente a uma outra, versão menino, mais exatamente a de dois homens: o primeiro esboçava como explicação de sua insegurança, na vida em geral, o fato de que sua mãe o tinha protegido excessivamente, não o deixando crescer e desenvolver sua autonomia. Já o segundo, considerava que sua falta de confiança nas relações pessoais seria ligada ao fato de que sua mãe teria sido muito ausente sem se ter ocupado dele devidamente.
Não é raro encontrarmos pessoas que buscam compreender a razão de seus dramas a partir do que receberam ou do que teria faltado na sua infância, ou, melhor, do que na vida teriam recebido em excesso ou daquilo de que teriam sido privados e, por conseguinte, parece ser este mais ou este menos que define e determina as dificuldades com as quais são confrontados. Note-se que esta compreensão de si não se esgota em si mesma. Ela continuaria agindo pelo simples fato de que nos tomamos como a medida de todas as coisas: o que pode levar uma mãe a pensar que o melhor para o seu filho é fazer o oposto do que fizeram com ela, e transmitir o que ela não teria recebido? O que pode fazer um homem pensar que o que lhe falta (segurança ou confiança) venha de um excesso de presença ou de ausência desta Mulher?
Este tipo de saber sobre si, sobre o que impediria alguém de ser como gostaria, produzindo insatisfação e sofrimento, gera, nesses casos, uma ideia de que se deve transmitir aos filhos outra coisa, o contrário daquilo que se recebeu (ou que faltou) dos adultos. Mais ainda, e num outro registro, passamos a orientar nossas escolhas, nossa maneira de ver as coisas, às avessas do excesso ou da falta evocados anteriormente. Inútil, nestes casos, lembrar que os contrários se atraem, e aquele que, combatendo aquilo que deseja evitar, acaba engendrando o efeito combatido… quase sem querer.
Alfredo Gil é psicanalista em Paris; membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) e da Association Lacanienne Internationale (ALI). E-mail: alfredo.gil@wanadoo.fr
Sul 21
Da velha interdição, em que a ação repousava no arbitrário de que isto é certo e aquilo é errado e cuja medida podia ser a paciência do adulto, passamos pela geração do “é proibido proibir”, encontrando-nos hoje diante de pais mais amorosos de seus filhos do que nunca, porém desnorteados, e às vezes infantilizados, sem valor de medida para suas ações.
Paradoxalmente, e diria mesmo inversamente, se os adultos encontram-se em dificuldade para dizer “não” aos seus filhos, eles tendem facilmente a dizer “não” àquilo que, enquanto filhos, pensam ter recebido. Outro dia uma moça, que já era mãe, me contava por que razão ela desejara ter mais de um filho: tendo sido filha única, não queria que os seus sofressem da mesma solidão de sua infância. Mas vejam bem, uma outra mulher, tendo sido a mais velha de uma progenitura de quatro, quis ter um único filho para poupá-lo da rivalidade feroz e fraterna que ela mesma tinha conhecido. Esta sequência remeteu-me imediatamente a uma outra, versão menino, mais exatamente a de dois homens: o primeiro esboçava como explicação de sua insegurança, na vida em geral, o fato de que sua mãe o tinha protegido excessivamente, não o deixando crescer e desenvolver sua autonomia. Já o segundo, considerava que sua falta de confiança nas relações pessoais seria ligada ao fato de que sua mãe teria sido muito ausente sem se ter ocupado dele devidamente.
Não é raro encontrarmos pessoas que buscam compreender a razão de seus dramas a partir do que receberam ou do que teria faltado na sua infância, ou, melhor, do que na vida teriam recebido em excesso ou daquilo de que teriam sido privados e, por conseguinte, parece ser este mais ou este menos que define e determina as dificuldades com as quais são confrontados. Note-se que esta compreensão de si não se esgota em si mesma. Ela continuaria agindo pelo simples fato de que nos tomamos como a medida de todas as coisas: o que pode levar uma mãe a pensar que o melhor para o seu filho é fazer o oposto do que fizeram com ela, e transmitir o que ela não teria recebido? O que pode fazer um homem pensar que o que lhe falta (segurança ou confiança) venha de um excesso de presença ou de ausência desta Mulher?
Este tipo de saber sobre si, sobre o que impediria alguém de ser como gostaria, produzindo insatisfação e sofrimento, gera, nesses casos, uma ideia de que se deve transmitir aos filhos outra coisa, o contrário daquilo que se recebeu (ou que faltou) dos adultos. Mais ainda, e num outro registro, passamos a orientar nossas escolhas, nossa maneira de ver as coisas, às avessas do excesso ou da falta evocados anteriormente. Inútil, nestes casos, lembrar que os contrários se atraem, e aquele que, combatendo aquilo que deseja evitar, acaba engendrando o efeito combatido… quase sem querer.
Alfredo Gil é psicanalista em Paris; membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) e da Association Lacanienne Internationale (ALI). E-mail: alfredo.gil@wanadoo.fr
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