terça-feira, 12 de março de 2013

Movimento social: política interna

Movimento pela moradia 

Quem conduz as massas por elas mesmas? 



Será que se constrói uma luta autônoma com decisões repassadas ao pé do ouvido, ou através de conversas telefônicas, e nunca exposta claramente em público para todos os moradores?


Por Apoiadores do Acampamento Pedro Nascimento.

O último texto escrito sobre a luta no Acampamento Pedro Nascimento, localizado no Residencial JK, em Goiânia, terminou com uma frase que gerou um pequeno debate sobre o apoio e a participação da esquerda goianiense na luta dos acampados. As linhas que seguem abaixo pretendem ser uma reflexão sobre esta frase e também sobre uma questão, à luz dos últimos acontecimentos envolvendo o acampamento: das poucas pessoas que ainda apoiavam a luta, quais eram seus reais interesses?


Como foi afirmado anteriormente, isolados, com pouco apoio e com a indiferença já esperada da Prefeitura de Goiânia os moradores do acampamento resolveram e conseguiram com suas próprias forças organizar uma manifestação no Paço Municipal, na primeira quinzena de dezembro de 2012. O objetivo era conseguir uma audiência com o prefeito reeleito Paulo Garcia, para cobrar a promessa eleitoral de resolução do problema habitacional daqueles trabalhadores acampados na periferia noroeste da cidade. Como era de se esperar, a audiência com o prefeito foi negada devido “à falta de espaço em sua agenda”.


Entretanto, os moradores aceitaram ir embora após conseguirem agendar uma reunião com o Ministério Público de Goiás e dois secretários municipais, já que o MP exerce o papel de mediador do conflito. Esta instituição assinou com a Prefeitura de Goiânia um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), visando a solucionar a irregularidade do residencial JK e talvez garantir moradia aos acampados.


A outra indiferença com que tiveram que lidar durante a manifestação era com os grupos de esquerda da cidade, que não compareceram no ato, apesar de terem contato com a divulgação.


Mas a reunião com o MP representou uma pequena esperança. Para os moradores, havia a possibilidade de conseguirem a moradia e melhorias nas condições de vida no acampamento. Para os poucos militantes não ligados a partidos políticos, a organização da manifestação e a reunião resultante indicava um pequeno passo na organização autônoma dos acampados. Para as poucas lideranças partidárias e de movimentos sociais que estavam presentes na reunião, um pequeno grupo de acampados mais ativos surgia no horizonte, aguçando a velha prática política de formação de lideranças.


Desde a reunião no MP, embora sem muito debate, a constituição de uma diretoria ou associação de moradores começou a ser vista como necessária por alguns dos acampados. O motivo seria o fato de que em todas as instituições que buscavam respostas às suas reivindicações era pedido que dissessem que tipo de representatividade tinham junto aos acampados. Estas instituições exigiam uma espécie de crachá, de credencial, para que os moradores fossem recebidos pelas autoridades e empresários procurados. Era uma forma de impor um tipo de organização aos moradores para que pudessem negociar com eles.


Frente à vontade expressa pelos acampados, o pequeno grupo de apoiadores acabou se dividindo sobre a situação. De um lado, os apoiadores sem vinculação partidária viam as assembleias realizadas aos sábados como instância capaz de resolver esta situação, ao designar comissões para solucionar problemas específicos. Um caso concreto positivo foi a própria realização da manifestação que havia dado certo e conseguiu levantar o fio de esperança. Mas não se opunham à formação de qualquer órgão diretivo, caso fosse vontade dos acampados. Para isso, defendíamos apenas que deveriam debater e decidir a constituição deste órgão nas assembleias que vinham acontecendo regularmente aos sábados, garantindo desta forma a ampla difusão das informações do que viesse a ser decidido, e que houvesse também um controle de base sobre este órgão representativo.

De outro lado, um grupo de pessoas ligadas ao Psol e ao Movimento Terra Livre (MTL) via a necessidade de formar uma coordenação que seria o caminho para a autonomia da luta, aproveitando a vontade e a iniciativa do grupo mais ativo de acampados que se despontou durante a organização da manifestação. A formação das lideranças e a organização de uma coordenação, segundo eles, garantiria uma posição forte e firme dos moradores dentro do acampamento, caso a Prefeitura resolvesse realmente negociar o assentamento dos acampados, no local onde estavam ou mesmo em outro lugar.


Para debater esta questão foi organizado por militantes do PSOL um seminário “de formação política” no acampamento. O seminário, feito para apresentar aos acampados os problemas do acampamento e debater a organização interna, se tornou uma verdadeira pregação de como todos os problemas são decorrentes da falta de uma coordenação política forte e ao hábito nocivo de fazer assembleias toda semana. No ponto de vista dos promotores do seminário, assembleias não deveriam servir para se discutir problemas do acampamento. Elas eram feitas para referendar decisões. Ou seja, eram espaços esvaziados de qualquer construção realmente coletiva, servindo apenas para a afirmação dos posicionamentos de possíveis novas elites ‘populares’, ou melhor, das novas lideranças que viessem a surgir. Estas lideranças sim poderiam se reunir semanalmente, discutir, decidir e apresentar o que melhor achassem conveniente. Apesar de afirmarem que não deveria haver eleições para a formação da coordenação, talvez no máximo um plebiscito, os organizadores do seminário defendiam a revogabilidade a qualquer momento da coordenação. Curioso aprendizado político esse que exclui as pessoas dos processos decisórios para, posteriormente, manter uma retórica vazia de significado prático.


O roteiro do seminário foi todo construído em cima da refutação do trabalho de organização que estava sendo feito em torno da reunião semanal. Nele, ao mesmo tempo em que atribuía a falta de moradia, água e coleta de lixo à inexistência de uma coordenação, também tinha outro objetivo: o ataque aos apoiadores externos não partidários. Buscava-se mostrar aos acampados que os apoiadores, que na opinião dos militantes partidários eram os principais sustentadores da forma de decisão por assembleia, na verdade eram autoritários e estavam controlando a luta deles por moradia, mesmo não morando no acampamento.


Com esta questão supostamente suspensa e sendo aos poucos debatida, as reuniões continuaram a ser realizadas aos sábados, garantindo igual direito de voz e de voto a todos os participantes, inclusive aos apoiadores. Até então, e após longo e lento processo de construção e de organização política interna, a assembleia era reconhecida como o principal espaço de discussão e de decisão dos rumos da luta dos acampados, onde todos podiam participar e determinar o andamento da própria reunião.


Após o cancelamento de nova reunião com o MP, no dia 31/01, em que a Prefeitura havia se comprometido a apresentar estudos sobre a desapropriação da área e o projeto de regularização do loteamento e assentamento das famílias, uma das acampadas mais ativas foi orientada a enviar ofícios a algumas secretarias da Prefeitura no dia 01/02, assinando tais documentos como coordenação do acampamento, sem que tal coordenação fosse constituída. Ela deveria comparecer na sede de um sindicato da cidade para elaborar e digitar este ofício. Contrariamente à prática que vinha se desenvolvendo, de apresentar ao coletivo dos moradores previamente os ofícios, ou mesmo as reivindicações que iriam ser feitas, para posteriormente os encaminhar aos órgãos públicos, desta vez a orientação de uma pessoa externa ao acampamento fez com que o ofício a ser entregue sequer fosse discutido por pelo menos dois moradores do acampamento.


Mas não foi a primeira vez que esta situação se verificou. Antes da realização da manifestação na Prefeitura em dezembro, outra moradora foi orientada a comparecer no gabinete de um vereador do PSOL para, com o auxílio de um advogado e outros militantes do partido, elaborar um ofício pedindo uma reunião com o prefeito. Como víamos a prática sendo repetida, lemos o ofício apresentado na assembleia de 02/02 e questionamos publicamente a prática de tê-lo enviado sem consultar os outros acampados, levantando a questão de que se o mesmo tivesse sido debatido publicamente antes da entrega, as reivindicações de mais acampados poderiam ser contempladas. Foi referido ainda que, se tais práticas começassem a ser comuns, provavelmente chegaria o momento em que um pequeno grupo passaria a tomar decisões por todos os acampados sem debater os assuntos ou mesmo sem os consultar.


Além disso, resolveu-se pela realização de uma nova manifestação para continuar a pressão sobre a prefeitura, já que eles estavam mantendo as coisas na mesma situação.


Porém, para nossa surpresa, no sábado seguinte, que seria como os demais, o grupo de apoiadores, que ainda mediava as assembleias, chegou no horário em que elas costumavam ser realizadas e se deparou com a notícia de seu cancelamento permanente. Uma incrível virada nos rumos da luta e nas relações entre os acampados e parte do grupo de apoiadores. Também ficamos sabendo que realizaram uma reunião durante a semana e decidiram formar uma coordenação e que não poderíamos mais voltar ao acampamento. Tudo isso num momento crucial da luta, em que seria necessário encontrar uma forma de pressionar a prefeitura para atender às reivindicações dos moradores depois de vários meses de espera.


Talvez a critica pública feita por nós à decisão da assinatura do ofício, decisão tomada pela apoiadora externa e cumprida prontamente pela coordenadora emergente, tenha sido nosso erro. Havíamos apontado a existência de uma instância de decisão sem controle algum por parte dos demais acampados.


Mais estranho foi o fato de ter sido um grupo de cerca de sete pessoas, que se identificou como “Comissão de Homens”, que nos informou da decisão. Até aquele momento nunca houve uma separação de grupos de pessoas de sexos distintos para tratar com os apoiadores. Eles agradeciam o apoio, mas o cansaço no final de semana, ou o trabalho impediam a realização regular da assembleia. Caso precisassem se reunir, fariam durante a semana, no calor da urgência das demandas. O objetivo deles era apenas agradecer e reportar ao grupo de apoiadores a decisão. Informaram ainda que a oficina de comunicação, que estava elaborando um jornal de divulgação da luta, seria extinta. Sendo assim, o grupo de apoio deveria se retirar do acampamento e não mais retornar até segunda ordem. Mas os demais apoios continuavam sendo aceitos.


Surpresa maior foi quando afirmaram que receberam telefonema do prefeito, condicionando a continuidade das negociações à saída dos apoiadores não partidários. O prefeito, que em momento algum se dirigiu aos moradores com o objetivo de negociar uma saída para a situação em que se encontravam, passou a impor quais apoiadores os moradores deveriam ter.


Com um pouco mais de conversa, revelou-se que não era precisamente estas as razões práticas para o rompimento. O que a Comissão afirmava era a necessidade de conduzir a luta por si próprios. Tal posição foi sempre defendida durante as reuniões, causando certo estranhamento esta afirmação. Ora, o que torna o ocorrido interessante é que esta busca pela autonomia, à qual os acampados se referiram, excluiu o apoio independente e fincou o apoio apenas dos militantes partidários. E isto em um momento em que eles precisavam de todo o tipo de apoio.


Ficou claro que o objetivo de uma parte dos acampados era mesmo o estabelecimento da coordenação permanente do acampamento, através da qual passariam a negociar com o poder público e outras forças políticas, ao mesmo tempo em que pautariam as discussões e as decisões internas ao acampamento. Viam como mais importantes as reuniões de gabinetes do que as pressões realizadas através das manifestações, considerando inclusive as últimas como nocivas à luta. Seria mais eficiente ter pessoas com trânsito e contatos internos nos órgãos públicos do que ações de participação coletiva.


Tudo isso ocorreu simultaneamente ao aparecimento de desconfiança e de informações caluniosas contra cada um dos apoiadores autônomos: que estes inviabilizavam a luta, impediam negociações, não eram claros em seus propósitos políticos e nem em suas vidas pessoais, além de afirmarem que alguns deles estavam interessados apenas em notas, dentre outras desconfianças.


Além disso, em uma situação de espera prolongada por qualquer solução do poder público, culparam os apoiadores e a forma de decisão por assembleia pelo fato de não haver resultados concretos na luta. Claro, sempre houve falas durante as assembleias apontando que seria melhor ter uma liderança de mão forte ou uma diretoria que se encarregasse das tarefas do acampamento. Mas na discussão sempre se havia decidido que não havia real necessidade dessa diretoria, que isso sobrecarregava algumas pessoas, estimulava a passividade, que por questões de segurança era melhor uma organização mais coletiva, enfim, até então tinha-se chegado à conclusão de que havia mais a ganhar com uma participação mais ampla e permanente de todos, que isso daria mais força pra luta.


Porém, se o que aconteceu foi uma ação costurada nas costas dos apoiadores dispensados dificilmente saberemos, já que as calúnias cortaram os laços que havia com os acampados. Mas nos causa estranheza tudo isso acontecer após uma crítica pública a uma decisão tomada por apenas duas pessoas, sendo que uma delas não pertence ao grupo de acampados. E também pelo fato de que formalmente e em público sempre se reconheceu a legitimidade e a utilidade da assembleia.


O que se pretende refletir aqui é se há mesmo autonomia dos acampados, quando as decisões da coordenação (diretoria, associação, equipe, comissão etc.) a ser formada são tomadas por pessoas externas ao grupo de acampados. Será que se constrói uma luta autônoma com decisões repassadas ao pé do ouvido, ou através de conversas telefônicas individuais, e nunca exposta claramente em público para todos os moradores?


Será que é através de falas feitas para se debater com possíveis lideranças, em reuniões restritas, que se constrói um movimento social autônomo? Por que não há o mesmo interesse em um trabalho de base, criando condições para a participação do maior número possível de pessoas?


O que vemos é que há um privilégio dado à formação de líderes, com o argumento de que são eles quem realmente fortalecem as lutas. São os líderes bem preparados que garantem as conquistas das reivindicações realizadas. Dizem que as massas devem se organizar por si só, mas sempre acreditando na capacidade de pulso firme destas lideranças, pois onde todo mundo manda, na verdade ninguém manda. Porém, se houver uma “traição” por parte destes mesmos líderes, será sempre decorrente única e exclusivamente de serem eles corruptos, e nunca do fato de se ter criado as condições para o surgimento dos “traidores”. O controle de base sobre os dirigentes, nesta lógica, não serve para impedir os desvios da prática das lideranças sobre o que foi decidido. Nesta prática política apresentada aos moradores do acampamento Pedro Nascimento o controle dos dirigentes pela base dos movimentos sociais apenas trava a luta e impede a autonomia das mesmas.


Deixamos bem claro aqui que não estamos criticando o amor e dedicação à luta, tampouco o simbolismo político e as experiências carregadas pelas pessoas. O que nos interessa questionar é o tipo de prática política que vem sendo efetuada.


Trata-se de uma prática que apresenta como a principal e exclusiva ação política necessária nos movimentos sociais esta formação de lideranças para mediar as negociações de gabinete com os gestores públicos. As instâncias de decisão são ocupadas por um número bem restrito de moradores. A maior parte dos envolvidos na luta por moradia fica de fora do aprendizado político decorrente da participação direta na organização destas mesmas lutas.


O que ainda nos custa crer é que todo o esforço de debate, estudo e organização realizado por um número reduzido de apoiadores, quando os demais estavam em suas campanhas eleitorais, seja utilizado para a conquista de espaços dentro de partidos, ao se colar numa emergente luta por moradia, criando assim uma futura base eleitoral que os cacifará frente aos líderes partidários maiores.

Será que a promessa da Prefeitura em destinar milhares de casas este ano contemplará os moradores do Acampamento Pedro Nascimento? E caso sejam contemplados, quem será beneficiado? Com as instâncias de discussão e decisão coletivas enfraquecidas, certamente seria bem mais fácil para um pequeno grupo seleto conseguir negociar as suas moradias à revelia do conjunto dos acampados.


Para os acampados, perguntamos o que se ganha com o afastamento de um grupo de apoiadores que participava das assembleias semanais, em que se discutia e decidia coletivamente os problemas e soluções do acampamento? O que se ganha com a dissolução dessa assembleia e também do jornal feito pelos próprios acampados que os apoiadores estavam auxiliando a construir, em um momento que precisam de apoio e organização para continuar a luta?

Esperamos, sinceramente, que não ganhem apenas espaços em mesas de gabinetes para alguns moradores, em troca de auxílio que sirva a interesses partidários e eleitorais.


Passa Palavra 

Ver no site Passa Palavra os comentários que se seguem ao artigo .
 http://passapalavra.info/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...