segunda-feira, 18 de março de 2013

Política carcerária: reintegrar a pessoa ou entregá-la para o crime organizado?

Faculdade de Direito, USP


Leonardo Sakamoto


Para muita gente, deixar pessoas sofrerem no sistema prisional é lindo, uma forma de vingança institucional por conta do sofrimento que causaram em alguém. Vingança, não Justiça. Isso pode ser útil para enganar a si mesmo, achando que transferir a dor aplaca a sua própria. Mas não irá resolver o problema causado e dificilmente conseguirá fazer com que o crime não seja cometido novamente. Não se reintegra, apenas exclui-se ainda mais quem, na maioria das vezes, foi sistematicamente excluído da sociedade. Que compromisso tem a pessoa quando retorna ao convívio social?

O Manifesto Pela Humanização do Cárcere, primeira iniciativa do Projeto Cárcere Cidadão, foi lançado nesta semana em São Paulo ajudar a debater a questão. O objetivo do projeto é colocar a universidade como protagonista na luta por um sistema de execução penal mais justo e mais humano.

Olivia Almgren, Livia Y. Moscatelli e Felipe Napolitano Marotta, da direção do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direitos da Universidade de São Paulo, escreveram um texto para este blog. O XI, que está completando 110 anos de influência sobre a política nacional, encabeça o projeto:

Diante de um sistema carcerário falho e desumano, não podemos fechar os olhos

Há quem diga que o Brasil é o país da impunidade. Na verdade, o Brasil é o país da não-política criminal.

É o país da punição seletiva.

E nós nunca nos perguntamos, enquanto nação, para que serve o cárcere.

Nem nunca nos preocupamos, enquanto sociedade, em como gostaríamos de ver as pessoas após o cumprimento da pena. Preocupamo-nos apenas em obter a sensação de segurança, ainda que falsa. Essa lógica de encarceramento em massa, constantemente comemorada por alguns setores sociais, gera uma crise em nosso sistema penitenciário. Quando fechamos os olhos para o que acontece dentro das cadeias, fechamos também para a violência que persiste além delas, para a exclusão social e para a seletividade da pena.

Esquecemos que há meio milhão de pessoas jogadas em prisões superlotadas e sem condições mínimas de uma vida digna. Sem incentivo algum para voltar a conviver em sociedade. Esse esquecimento não é ingênuo. Predomina na sociedade a ideia de que os direitos humanos são para “humanos direitos” e que o bandido deve sofrer e apodrecer na prisão, em proporção maior do que o sofrimento que causou às vítimas. Esquece-se, porém, que um dia as pessoas sairão da cadeia. Sairão sem emprego, sem apoio e estigmatizados pelo resto dos seus dias. Juntam-se todas as condições para voltar ao crime.

O Estado abandona a camada social por quem ele mais deveria se responsabilizar. E desta maneira é impossível trazer paz e justiça, onde quer que seja.

Mas como nós podemos mudar este quadro?

Essa questão deve ser cobrada do poder público. Por isso, nós do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, junto com outras entidades e estudantes, criamos o Projeto Cárcere Cidadão. A ideia é transcender os muros acadêmicos e levar essa discussão para a sociedade civil. É fundamental que as pessoas enxerguem que quem está preso também é gente. Que quem está preso também é cidadão.

O Brasil não pode aceitar um sistema prisional falho, desumano, que seleciona por cor e classe social, e que só contribui para o aumento da violência nas ruas, resultante de um ciclo doentio de exclusão. As cadeias estão superlotadas por conta de uma escolha política do Estado: prender cada vez mais. Tirar de vista o que incomoda, como se não existisse, ou como se não fosse voltar à nossa frente. O uso de penas alternativas à prisão pode desafogar o sistema. Mas, ao contrário disso, fala-se em construir mais presídios, a fim de criar mais vagas. E isso faz parte de um cálculo eleitoral previsível. Afinal, perante a opinião pública, quantos votos renderia a criação de uma política criminal?

Precisamos nos ater à ideia de que a aplicação de penas alternativas não estimula a impunidade, mas desafoga um sistema carcerário que em nada contribui para nenhum tipo de melhora, em nenhum aspecto. Precisamos, urgentemente, perceber que, em um país onde a desigualdade é gritante, não adianta criarmos centenas de milhares de vagas nas cadeias, não adianta prendermos cada vez mais. A violência existe onde há exclusão. Diante deste quadro, podemos criar quantas vagas quisermos nas prisões, mas o problema nunca será resolvido.

O respeito aos direitos humanos na prisão, ou a “humanização” do cárcere, é apenas o primeiro passo de muitos que ainda deverão vir. Um passo que já deveria ter sido dado, uma vez que direitos humanos não deveriam ser desrespeitados em hipótese alguma. Mas não deixa de ser um passo fundamental.

Esse é um trabalho de todos nós. Enquanto nos acomodarmos na terrível ideia de que “bandido bom é bandido morto”, continuaremos vivendo em uma sociedade injusta e excludente.

Sakamoto

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