Taize Odelli
Quando pensamos em um livro clássico, a imagem de uma leitura densa e difícil é a primeira que temos. Pois assim é a maioria desses livros aclamados pela crítica e estudados na academia. São reflexos de uma época em que a fala era “mais difícil”, ou melhor, que era mais rebuscada e bem diferente da nossa atual língua, cheia de gírias e novas variações. E por isso consideramos sua leitura truncada, pois houve expressões que nunca ouvimos antes. Mas com Jack London não foi assim. Ao ter em mãos O Lobo do Mar, que recém ganhou edição de bolso da editora L&PM, me deparei com uma leitura fácil, rápida e prazerosa, uma história que se iguala à grandeza que é o oceano, cenário desse livro.
Escrito em 1904, O Lobo do Mar é narrado por Humphrey van Weyden, um conhecido crítico literário à deriva depois do naufrágio do vapor em que havia embarcado na cidade de São Francisco. Resgatado por uma escuna, conhece Wolf Larsen, o capitão do navio que se dirige ao Japão para a temporada de caça de focas. Diferente do que esperava, o capitão se recusa a deixá-lo voltar a São Francisco e o obriga a viajar junto com o Ghost rumo ao Japão, tendo que trabalhar no navio e aprender toda a arte da navegação. Mas o mais impressionante para Van Weyden nessa viagem não é o oceano e seus perigos, e sim o próprio capitão Wolf Larsen, um homem frio, duro, materialista e extremamente inteligente. Ele não acredita em religiões ou em eternidade, leitor de Charles Darwin, tem comportamento extremamente evolucionista, aquele em que o mais forte prevalece e vive.
Sua tripulação sofre com o trabalho pesado, espancamentos e humilhações dispensados por Wolf Larsen, mas ao mesmo tempo ele se mostra gentil e conversador com quem simpatiza. É por isso que Van Weyden tanto observa-o admirado e temeroso, pois a brutalidade que primeiramente viu no capitão esconde uma mente crítica e analítica, que gosta de filosofar, recitar poemas e trechos de livros e inclusive discutir literatura. Jack London preenche muitas páginas com as conversas entre Wolf e Van Weyden, os questionamentos que ambos se fazem e tentam responder, e em meio a isso o narrador tenta sobreviver ao perigo dentro do Ghost, um lugar ocupado por homens hostis e em constante conflito.
Afora os termos de navegação que podem parecer incompreensíveis para o leitor sem intimidade com a prática, a leitura flui calma, sem maiores esforços, e espantosamente o leitor se vê virando as páginas assim como o protagonista vai ficando mais íntimo do mar. Ele percebe gradualmente esse crescimento de Van Weyden, de um homem preguiçoso a um trabalhador braçal, capaz de esforços imensos e realizações que nunca imaginaria fazer.
Mesmo quando o tom da história muda da sobrevivência no mar para a proteção de um amor, a história continua atraente e London sempre coloca Wolf Larsen como uma sombra que paira sobre o narrador frustrando as suas realizações. Ele é o enigma que o protagonista tenta entender, a pessoa que intriga também o leitor, que o atrai e atormenta também.
O Lobo do Mar contém tempestades em alto-mar, naufrágios, batalhas no oceano, lutas e tudo o que se deve esperar de uma história a bordo de uma grande embarcação. Os detalhes da navegação também estão lá para agradar àqueles que amam o mar e dele já são íntimos. Mas acima de tudo, é um clássico que – apesar de alguns erros de revisão dessa edição – vai ser lido com prazer.
Rizzenhas.com
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