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De um lado, estão aqueles que defendem o banimento completo, com base em estudos da OMS que reconhecem a fibra mineral como altamente cancerígena, com impacto na saúde dos trabalhadores, da população e no meio ambiente. De outro, estão os que querem o uso controlado por razões econômicas. O Brasil é o 3º produtor mundial do produto, que movimenta um mercado de R$ 2,5 bilhões. No STF, até aqui, o placar está empatado em 1 x 1.
Najla Passos
Brasília - O Brasil está dividido quanto a banir ou não o uso do amianto, a fibra mineral reconhecidamente cancerígena que movimenta um mercado de R$ 2,5 bilhões por ano. Na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta (31), a primeira em três meses que não foi dedicada ao julgamento do “mensalão”, o plenário da corte discutiu duas ações diretas de inconstitucionalidade que questionam leis estaduais que proíbem a exploração, utilização e até o transporte do amianto. O placar final terminou em 1 X 1 e o julgamento não tem data prevista para ser retomado.
Amianto é o nome genérico para seis tipos de fibras minerais reconhecidas como altamente cancerígenas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1977. Sua utilização já foi banida em 66 países do mundo, mas, no Brasil, uma lei federal de 1995 permite o uso controlado do tipo crisotila, empregado principalmente em revestimentos e isolantes térmicos da construção civil. Cinco estados, entretanto, já proibiram a extração, comercialização e uso até mesmo desta modalidade: São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro e Mato Grosso.
De autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), as ações que chegaram ao plenário do STF questionam as leis estaduais do Rio Grande do Sul e de São Paulo. O principal argumento da entidade sindical é que o banimento do amianto provocaria desnecessárias demissões em massa e prejuízos para a economia, já que existem tecnologias seguras de exploração do produto que não oferecem risco à saúde dos trabalhadores e da população em geral.
Para o advogado da CNTI, Marcelo Ribeiro, o amianto tem essa “péssima fama” porque foi muito usado no hemisfério norte como isolante térmico, na forma de spray. Entretanto, o uso condenado pelo mundo é o do amianto anfibólico, enquanto no Brasil só é permitido o da crisotila e em condições especiais. “O amianto crisotila é mais flexível. Não fica no corpo humano porque é logo expelido. Os trabalhadores pleiteiam que se use o amianto porque não querem ficar sem emprego”, afirmou.
O Ministério Público Federal discorda. Segundo o órgão, não existe consenso sobre os riscos provocados pelo amianto entre a comunidade científica e, na dúvida, o que deve prevalecer é o entendimento pró-sociedade. Os procuradores dos estados são ainda mais duros. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que não há limites seguro para a exposição ao amianto. Esta é uma medida preventiva de São Paulo”, defendeu o procurador do Estado, Thiago Sombra.
Representando o Instituto Amigos da Crisotila, o advogado Carlos Veloso filho alegou que existem outras substâncias tão ou mais perigosas que o amianto que não tem seu banimento postulado, como é o caso do níquel, do mercúrio, do benzeno e de materiais radioativos. Segundo ele, o amianto está em 109º lugar na lista de substâncias nocivas dos Estados Unidos, enquanto o mercúrio está em terceiro. “Por trás desta falsa polêmica há disputas de mercado e quem paga a conta é a classe menos favorecida”, afirmou.
O advogado da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Roberto Caldas, insistiu na defesa da sociedade e do meio ambiente. “Esta fibra mineral é extremamente prejudicial à saúde e à vida. Em realidade, não há níveis seguros para sua utilização e, por isso, as principais centrais sindicais do país, como a CUT, são favoráveis ao banimento”, argumentou.
O debate no STF
Relator da ação relativa ao Rio Grande do Sul, o presidente da corte, Ayres Britto, votou pelo banimento. Ele considerou que é “induvidoso o dano à saúde humana causado por qualquer tipo de amianto”. Para Britto, as leis estaduais estão em maior sintonia com a Constituição Federal, que resguardam o direito à vida e ao meio ambiente, e tratados internacionais, como a Convenção 62 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 1991. “Parece-nos claro que eventual colisão normativa entre a lei estadual e a lei federal há de ser compreendida em termos de proteção e defesa. A lei estadual cumpre muito mais a Constituição da República do que a lei federal”, justificou.
Já o relator do processo realtivo a São Paulo, Marco Aurélio Mello, votou pela liberação. Para ele, as leis estaduais não podem se sobrepor à federal, sob risco de gerar desigualdades no país e ensejar uma nova guerra federativa. “Talvez os gaúchos e paulistas sejam mais merecedores de cuidados dos que nós outros, que nascemos em estados diversos”, ironizou.
O ministro não minimizou o perigo que o amianto representa à saúde e ao meio ambiente, mas afirmou que o produto, se usado da forma correta, é uma alternativa econômica viável. “Se o amianto deve ser proibido diante dos riscos ante o uso indevido, talvez tenhamos de vedar as facas afiadas, as armas de fogo, os veículos automotores, enfim, tudo o que, fora do uso normal, possa gerar danos às pessoas”, comparou.
A sessão se estendeu até quase 22 horas, mas mesmo assim não houve tempo hábil para colher o voto dos demais ministros presentes. Em comentários paralelos, o decano Celso de Mello demonstrar concordância com a posição de Britto, exacerbando as ameaças ambientais provocadas pelo produto.
Gilmar Mendes indicou que irá concordar com Marco Aurélio. Para ele, o perigo é que os estados passem a revogar leis federais constitucionais, acabando com a homogeneidade do país. “Isso pode causar confusão. Já pensou se determinado estado, por motivos econômicos, decidir suspender também a circulação de certos tipos de automóveis?”, questionou.
Questionamentos à lei federal
Também tramita na corte uma terceira ação, impetrada pela ANPT e pela Associação Nacional Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que contesta a lei federal que permite o uso da crisotila, apontada por cientistas como a menos nociva das seis existentes.
Entretanto, por falta de quórum, a matéria não entrou em pauta, como estava previsto. A corte só está com dez ministros. Além disso, Joaquim Barbosa e Carmem Lúcia não estavam presentes. Dias Toffoli se declarou impedido, porque já atuou no caso quando era advogado-geral da União.
Divisão na sociedade
O empate inicial no STF espelha o quanto a sociedade brasileira está divida sobre o assunto. Nem mesmo o governo federal tem opinião unânime. Nas audiências públicas promovidas pela corte para embasarem as decisões dos magistrados, em agosto deste ano, representantes dos ministérios apresentaram posições diversas. As pastas da Saúde, Meio Ambiente, Previdência, Trabalho e são favoráveis ao banimento do amianto. Já os ministérios das Minas e Energia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior defendem o uso da substância.
O diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador no Ministério da Saúde, Guilherme Franco Netto, disse que, de 2011 a 2012, o governo federal gastou R$ 291,8 milhões com o tratamento de doenças relacionadas à exposição ao amianto.
Paulo Rogério de Oliveira, que representou o Ministério da Previdência Social, acrescentou que 15 mil trabalhadores atuam hoje no setor, com subsídio diferenciado para a aposentadoria, que é concedida com 20 anos de trabalho, enquanto o prazo regular é 35. “Há subsídio fiscal pago por todos os brasileiros para sustentar essa aposentadoria precoce”, afirmou.
Já o analista do Ministério do Desenvolvimento, Antônio José Juliani, alertou que o banimento vai elevar o custo da construção civil no país, já que os produtos substitutos são mais caros e menos duráveis, além de causar a demissão de até 170 pessoas que trabalham na cadeira do amianto. As exportações do amianto rendem ao país US$ 80 milhões anuais e geram para o governo R$ 340 mil em tributos.
A comunidade científica, nacional e internacional, também não está em consenso. Os principais órgãos de defesa da saúde e meio ambiente condenam o uso da substância, mas vários cientistas defendem que a modalidade crisotila pode ser usada com segurança. É o que aponta, por exemplo, um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (USP). O problema é que a pesquisa foi parcialmente financiada pelo Instituto Brasileiro de Crisotila.
Carta Maior
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