segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Cidadania dividida em 5 vezes no cartão



Seca mostra que há algo errado quando eletroeletrônicos são oferecidos a cidadãos que se mantêm vivos bebendo água salobra

Fabiana Moraes

A associação direta entre consumo e cidadania pode ser vista como algo já clássico no cotidiano nacional: entre 1969 e 1973, nosso “milagre econômico”, que seguiu a euforia dos “50 anos em 5” do governo Juscelino Kubitschek (entre 1956 e 1961), mostrou que éramos, enfim, uma nação – afinal, nosso Produto Interno Bruto alcançava incríveis 10% ao ano e já podíamos comprar eletrodomésticos sensacionais sem comprometer o aluguel. 


Tal euforia repete-se no Brasil desde o final dos anos 90, quando o aumento real da renda (o salário mínimo mais encorpado é um exemplo) e programas sociais como Bolsa Família empurraram para o mercado uma fatia expressiva da população nacional, fatia esta que o mercado classifica como classes C (renda entre R$ 950 e R$ 1.400), D (renda maior que R$ 600) e E (renda maior que R$ 400, números da consultoria Target, uma das mais citadas no mercado).

A questão é que, ao encarar a “inclusão” apenas pela esfera do consumo (necessária, porém não única via), deixa-se de privilegiar políticas vitais para a garantia do bem-estar social. A programação da TV de plasma só pode ser desfrutada plenamente por aqueles que têm acesso a água, segurança, alimentos, saúde. O poder de compra precisa complementar-se a esta perspectiva – e a gestão pública não pode transferir apenas para o mercado a tarefa de nos organizar enquanto cidadãos e classes.

Nesse sentido, a seca é uma grande prova de que televisões, computadores e celulares devem ser acessíveis a todos – porque fazem parte, de fato, das necessidades e identidades do homem e mulher contemporâneos, estejam eles e elas em Cabrobó ou Calcutá. Ao mesmo tempo, a seca mostra que há algo errado quando televisões, celulares e computadores são oferecidos a cidadãos que se mantêm vivos (precariamente vivos) bebendo água salobra e lutando para conseguir alguma água potável.

É o reflexo de uma falsa inclusão, ou uma inclusão manca, reflexo de um olhar que dá conta de nossos exuberantes índices econômicos, mas não do modo de vida das pessoas, principalmente aquelas menos abastadas. É o reflexo de um momento no qual foi oferecido, para o sertanejo, cartões de crédito brilhantes e geladeiras reluzentes. Mas obras estruturadoras ágeis e efetivas para a convivência com a seca, obras que deveriam ser tão celebradas quanto uma arena para a Copa do Mundo, bem, isso fica para depois.


Jornal do Comercio  


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