Erminia Maricato
Com a globalização o território brasileiro passa por notável transformação. Mudam as dinâmicas. As dinâmicas demográfica, urbana e ambiental, além de social e econômica. As metrópoles crescem menos do que as cidades de porte médio (100.000 a 500.000 hab.) tanto em habitantes quanto em PIB. O processo de urbanização se interioriza sob influência do agronegócio.
Não há um deslocamento do centro de poder econômico situado no Sudeste, mas os dados mostram que esta região cresce menos se comparada com todas as outras.
Como resultado das décadas de baixo crescimento, alto desemprego e recuo das políticas públicas e sociais determinadas pelo receituário neoliberal, as cidades brasileiras entram no novo século carregando uma herança muito pesada. A violência urbana é o principal indicador que revela o peso herdado.
Contraditoriamente foi nesse período que floresceu uma nova política urbana em torno da qual organizaram-se movimentos sociais, pesquisadores, arquitetos, urbanistas, advogados, engenheiros, assistentes sociais, parlamentares, prefeitos, ONGs. Construiu-se a Plataforma de Reforma Urbana e muitas prefeituras de “novo tipo” ou democrático-populares passaram a novas práticas urbanas.
Além de priorizar a participação social – orçamento participativo, por exemplo, – priorizou-se a urbanização da cidade ilegal ou informal, isto é, a parte da cidade até então invisível para o urbanismo e as administrações públicas. Esse movimento logrou criar um novo quadro jurídico ligado às cidades- política fundiária, habitação, saneamento, transporte urbano- além de novas instituições como o Ministério das Cidades, Conselho das Cidades e Conferências Nacionais das Cidades.
Por mais paradoxal que possa parecer, apesar de todo esse avanço institucional, quando, após quase 30 anos, o governo Lula retoma os investimentos em habitação e saneamento numa escala significativa (2009), as cidades se orientam em direção desastrosa.
A segregação territorial se renova diante de uma atividade imobiliária altamente especulativa. Em São Paulo, o preço dos imóveis sofreu aumento de 153% entre 2009 e 2012. No Rio, o aumento foi de 184%. Uma certa classe média foi incluída no mercado residencial, mas não as camadas que integram a maior parte do déficit habitacional. A terra urbana permanece refém dos interesses do capital imobiliário.
Sobre os transportes públicos quase em ruínas as cidades brasileiras passam a se entupir de automóveis que batem recordes de venda impulsionados pelo aumento da renda e do IPI subsidiado. Nos últimos 5 anos, o número de carros praticamente dobrou nas cidades brasileiras causando congestionamentos monstros com consequências sociais e econômicas impensáveis. Apenas recentemente pesquisas científicas estão revelando os números de comprometimento à saúde causado pela dificuldade de mobilidade e poluição do ar.
Temos, no Brasil, leis (festejadas em todo o mundo), temos planos (em todas as cidades com mais de 20.000 habitantes pelo menos), temos conhecimento técnico, temos experiência em gestão urbana, temos propostas maduras nas áreas de transporte, saneamento, drenagem, resíduos sólidos, habitação…
Precisamos fazer a reforma fundiária – o que significa aplicar a função social da propriedade prevista no Estatuto da Cidade. As gestões municipais precisam CONTROLAR O USO E A OCUPAÇÃO DO SOLO (aplicando as leis vigentes) VISANDO INTEGRAR A POPULAÇÃO QUE ESTÁ SENDO EXCLUÍDA DA CIDADE. Além da questão fundiária, prioridade deve ser dada ao transporte coletivo e ao saneamento ambiental. Mas para tanto é preciso quebrar a relação entre empreiteiras, capital imobiliário e financiamento de campanha.
Viomundo
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