sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Obsessão pela juventude pode fazer mal
Dario de Negreiros
"Amar o exercício como a si mesmo. Não falar de sua velhice nem se queixar. Evitar gestos e atividades de velho derrubado." Quando frequentava o Fórum da Melhor Idade na Freguesia do Ó (zona norte de São Paulo), a psicóloga Natália Cavechini, 26, ficou surpresa com os "Dez mandamentos da melhor idade", que ali eram pregados.
"É um ideal que em nada se relaciona com os aspectos trazidos à tona pela velhice", diz. "Não há espaço para falar de angústias, de medos, de como é difícil envelhecer."
Atualmente, termos como "melhor idade" procuram associar a imagem do idoso à jovialidade, produtividade, esportividade, autoconfiança. Mas, para alguns profissionais da saúde, viver a velhice como uma segunda juventude estaria deixando de ser opção para se transformar em imposição.
Autora de dois livros sobre a velhice, a psicanalista Ângela Mucida, 55, chama a atenção para o que considera uma cultura de negação do envelhecimento. "A tendência é querer apagar qualquer sinal de velhice", diz.
O problema é que há sempre um momento em que a idade não pode mais ser ignorada. "Você pode modificar sua imagem, tirar as rugas, mas chega um ponto em que algo da passagem do tempo você vai ter de suportar."
Para Francisco Ortega, professor de saúde coletiva da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a ideia de que podemos moldar nossos corpos como quisermos está fazendo com que características como obesidade ou velhice passem a ser vistas quase como atos imorais.
"É como se só fosse idoso ou obeso quem quer, quem não é responsável, quem não se cuida", diz. Além de discriminados, esses "novos desviantes" terminariam frustrados por não serem capazes de atingir o ideal socialmente imposto.
"O corpo é maleável, mas só até um certo limite. Vender um ideal de maleabilidade total pode ser muito tirânico para as pessoas que não conseguem atingi-lo."
Essa cultura de negação da velhice já pode estar produzindo seus sintomas. Segundo Erika Rodrigues, nutricionista do Ambulim (Ambulatório de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas), houve nos últimos anos um sensível aumento do número de pacientes de anorexia e bulimia com mais de 40 anos. Para a coordenadora da equipe de nutrição do Ambulim, Marcela Kotait, isso pode, de fato, estar relacionado à tentativa de se negar a velhice.
HIPERTROFIA MUSCULAR X ATROFIA SOCIAL
Mas também é possível se beneficiar desse ideal de cuidado com o corpo, sem deixar que ele vire uma obsessão. Se Jessivaldo Pinheiro, 66, vai ao parque da Água Branca (zona oeste da capital), não é só porque suas caminhadas fazem bem à saúde. "Tem um pessoal do chorinho com quem eu canto, toco pandeiro. É uma maravilha."
Aposentado há 20 anos, Jessivaldo diz jogar vôlei e futebol com os amigos toda semana. Mas não vê isso como uma obrigação. "Tem gente que eu vejo andando aqui no parque todo dia, mas não cumprimenta ninguém, não conversa com ninguém", observa. "Tem que ser saudável, mas não se escravizar."
Assim como Jessivaldo, Ortega também alerta para o risco de que "a hipertrofia muscular seja acompanhada de uma atrofia social". "É um interesse exclusivo pelo corpo e um desinteresse por qualquer tipo de compromisso social, político."
Mas aqueles que pregam o total descuido com o corpo e a saúde, como se um exagero pudesse ser combatido com outro, não irão encontrar o apoio dos críticos do imperativo da juventude. "Existem tratamentos contra os efeitos da velhice que trazem, de fato, resultados positivos para o idoso", diz Mucida.
Ortega concorda: "Seria ridículo dizer que a resistência, agora, é fumar, comer gordura, só porque dizem que não se pode fazer isso". E, resumindo o paradoxo daqueles que se veem escravos de sua saúde, afirma: "O importante é ser saudável para fazer as coisas de que se gosta, e não ter boa saúde para poder cuidar da saúde o tempo todo".
Folha de São Paulo
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