Nada mais ideológico do que negar a ideologia. Por isso as propostas do movimento Escola Sem Partido (ESP) são uma arapuca armada para pegar o senso comum. A começar pelo nome de batismo.
É evidente que escola não tem que ter partido. Essa obviedade não é anunciada à toa. É uma armadilha. Com ela, os ideólogos da proposta tentam esconder os seus reais propósitos: despolitizar a educação descolando-a do contexto social e cultural em que está inserida. O alvo não é o proselitismo partidário, mas o pensamento crítico e a experiência da pluralidade.
Quando menciono a crítica, não evoco o sentido negativo da palavra –ser contra algo–, como ela é comumente utilizada. Refiro-me à capacidade de analisar e formar opinião de maneira autônoma. Como escreveu Paulo Freire, os estudantes precisam aprender a ler o mundo. Só assim teremos uma educação verdadeiramente emancipatória e humana.
Trago o exemplo de Paulo Freire porque ele foi transformado no símbolo maior de doutrinação pelos defensores do ESP, que odeiam sua obra mesmo sem conhecê-la.
Num seminário realizado em março de 1996, na Universidade de Northern Iowa, nos Estados Unidos, ele alertou sobre a importância do "testemunho da diferença e o direito de discutir a diferença" na educação.
"Quão bonito é para os estudantes acabar de ouvir um professor falar sobre utopia, criticando um discurso neoliberal, e ouvir, depois, outro defendendo o discurso neoliberal", disse. E há quem prefira Alexandre Frota a Paulo Freire no Ministério da Educação.
O direito de vivenciar e discutir as diferenças está na mira do ESP, que inspirou projetos que tramitam na Câmara dos Deputados, em nove Assembléias Legislativas e pelo menos 17 Câmaras Municipais.
O debate sobre questões de gênero é um exemplo das reais intenções e dos graves prejuízos que a proposta provocará caso seja aplicada. Defensores do programa querem proibir as escolas de discutir o tema, tão importante para desenvolvermos uma cultura de respeito aos direitos das mulheres.
Eles classificam o debate de gênero como doutrinário. A mesma acusação foi feita ao Ministério da Educação por ter escolhido a violência contra a mulher como assunto da prova de redação do Enem em 2015.
Não é à toa que o movimento ESP, fundado em 2004, só ganhou força nos últimos dois anos. Ela é fruto de uma intolerância crescente e cada vez mais violenta, um desejo de eliminar a diferença.
A aprendizagem não pode ser reduzida a um processo meramente técnico, bancário, de transferência de conteúdo de professor a aluno. Educação é diálogo, desvendamento, experiência e respeito à pluralidade. É de mais Paulo Freire que precisamos.
Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário