Bancada do agronegócio derrota governo em comissão da Câmara e ameaça promover novos retrocessos no Código Florestal. Entre as propostas, está nova restrição à reforma agrária
Os ruralistas deram na quarta-feira (8/8) mais um passo para impôr novos retrocessos à legislação ambiental na comissão mista do Congresso que analisa a MP (Medida Provisória) 571/2012, sobre o Código Florestal.
Incapaz de articular sua base aliada, o governo permitiu que a bancada do agronegócio colocasse em risco grande parte dos rios do País, em especial da Caatinga.
Por 15 votos a 12, os ruralistas conseguiram aprovar uma emenda que acaba com as APPs (Áreas de Preservação Ambiental) às margens de cursos de água temporários no relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC) sobre a MP.
Se o texto for ratificado pelos plenários da Câmara e do Senado, permitirá novos desmatamentos, contrariando promessa de campanha da presidenta Dilma Rousseff e o discurso ruralista de que a reforma da lei pretenderia apenas regularizar desmates antigos.
Ao editar a MP, a própria Dilma já tinha retirado a proteção das nascentes intermitentes, colocando em xeque a manutenção de parte da malha hídrica.
Crime
Não há um levantamento no Brasil sobre os cursos de água que correm só durante alguns meses, mas, principalmente na Caatinga, eles são fundamentais por alimentar os rios maiores e garantir o armazenamento de água, o abastecimento humano e animal em grande parte do ano.
Muitos dos afluentes do São Francisco e alguns dos principais rios do Nordeste são temporários, como o Paraíba, o Capibaribe e o Jaguaribe. A região vive a pior seca em 30 anos, com mais de mil municípios em situação de emergência.
“[A emenda aprovada] é um crime, uma impunidade!”, critica Anivaldo de Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, formado por representantes de governos, empresas, sociedade civil e produtores rurais.
“É como se você decretasse que os rios deixarão de existir só porque são intermitentes. O fato de ser intermitente não quer dizer que não seja um corpo hídrico”, ressalta Miranda.
Ele menciona que, como os maiores rios do semiárido são formados por centenas de afluentes, muitos temporários, a desproteção das matas ciliares pode causar uma reação em cadeia, atingindo todo bioma e contribuindo para a desertificação. Miranda lembra que esses cursos de água são fundamentais para a produção agropecuária. “Será que essas pessoas sabem sobre o que estão deliberando?”, questiona.
Os ruralistas negam que a medida ameace o fornecimento de água em algumas regiões. “Há córregos que correm só durante dois meses do ano. Por que desperdiçarmos uma área de produção como essa?”, disse a senadora Kátia Abreu (PSD-TO).
Clima tenso
A emenda foi aprovada durante a votação dos 343 destaques ao relatório de Luiz Henrique, cujo texto principal foi aprovado em julho (saiba mais). Na terça (7/8), por falta de consenso, a votação foi adiada. Na quarta, foi anunciado um acordo para apreciar 38 destaques e rejeitar os restantes.
Logo no início da votação o clima ficou tenso. O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) discordou de uma alteração de última hora feita pelo relator, no final da votação de julho, por considerá-la uma mudança de mérito realizada num parecer já aprovado.
Pressionado pelos ruralistas, Luiz Henrique propôs que os produtores rurais possam desmatar, na Floresta Amazônica, até 20% da propriedade caso a soma da APP e da RL (Reserva Legal) ultrapasse 80% da área; e de que, em outras regiões do País, possam abrir pelos menos metade da propriedade se esse cômputo ultrapassar 50%. O texto anterior usava a expressão “Amazônia Legal” e não “Floresta Amazônica”.
Segundo Rollemberg, a medida permite novos desmatamentos no Cerrado Amazônico, onde a RL corresponde a 35% da propriedade. O senador pediu que o tema fosse votado em um destaque.
Foi a senha para que os ruralistas partissem para o confronto, ou seja, para a votação de cada um dos 38 destaques, depois de acusar Rollemberg e o governo de descumprirem um segundo acordo para consolidar todas as alterações feitas até então no relatório e votar apenas quatro destaques, deixando os demais para os plenários da Câmara e do Senado, para onde seguirá o texto.
Rollemberg e o senador Jorge Viana (PT-AC), que é um dos vice-líderes do governo, negam que houvesse esse segundo acordo.
Ao final, foram apreciados seis destaques. Os representantes do agronegócio também conseguiram alterar os conceitos de “área abandonada” e de “pousio” no parecer. No primeiro caso, a ideia é dificultar a desapropriação para fins de reforma agrária. No segundo, o objetivo é facilitar o desmatamento de áreas em regeneração ao retirar o percentual máximo de 25% da propriedade que pode ser mantida em descanso, sem atividades produtivas, por até cinco anos.
O conceito de “áreas úmidas” continuou no texto da MP só por causa do voto de desempate do presidente da comissão, deputado Bohn Gass (PT-RS). A votação terminou empatada em 13 a 13. A questão deverá ser rediscutida no plenário da Câmara.
A proteção de 50 metros ao redor das veredas era outra vítima certa, mas a análise do tema foi interrompida por uma manobra de Rollemberg, que lembrou a Gass que a ordem do dia no plenário do Senado já tinha começado e a sessão na comissão deveria ser suspensa.
Depois da votação, prevendo nova derrota na apreciação das emendas restantes, o Planalto pediu a suspensão da reunião da comissão marcada para a manhã desta quinta (9/8). A princípio, a próxima sessão deverá ocorrer na última semana deste mês.
Os destaques restantes tratam, entre outros temas, da suspensão de multas e da regularização integral de todos os desmatamentos em APPs, sem necessidade de recuperação parcial da vegetação.
“Freio de arrumação”
Após a derrota, os governistas elevaram o tom. “A redação que foi aprovada ontem é um desastre absoluto, uma irresponsabilidade total, um retrocesso inadmissível”, disse Rollemberg.
“Do jeito que as coisas estão indo, esse projeto vai ficar muito pior que o texto aprovado anteriormente na Câmara. Os ruralistas não estão se contentando mais em ampliar a flexibilização da recuperação de APP e RL. Eles querem ampliar o desmatamento”, analisou Rollemberg.
“O governo não aceita ceder em nada do que colocou na MP”, garantiu Viana. De acordo com ele, o adiamento da reunião desta quinta é um “freio de arrumação” para rever os procedimentos adotados até agora na discussão.
Ele afirmou, no entanto, que, nas próximas votações, a defesa da legislação ambiental dependerá em grande parte “da imprensa, da opinião pública e do bom senso”.
Viana não deixou clara qual será a estratégia do Planalto de agora em diante. O senador já admitiu que o governo “bobeou” ao permitir que a bancada do agronegócio escolhesse grande parte dos membros da comissão.
O governo Dilma nunca priorizou a reforma do Código Florestal, ainda durante a discussão do projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), em 2011. Já perdeu em duas votações no plenário da Câmara, que pode dar a última palavra sobre a MP no Congresso, caso o plenário do Senado modifique o texto.
“A estratégia do governo nesse assunto vem sendo ridícula. A presidenta sancionou parte da lei com o que os ruralistas aceitavam e editou uma MP, cuja tramitação começa na Câmara e pode terminar na Câmara, onde os ruralistas têm maioria”, avalia Raul do Valle. “Se o governo tivesse feito seu trabalho, teria nomeado os membros da comissão ou editado um Projeto de Lei”, conclui.
“Se o governo entrar mais fortemente nessa questão, tem instrumentos para influenciar nessa decisão, cobrando dos partidos políticos da base uma postura de governo”, comenta Rollemberg. Ele avalia que, em último caso, o Planalto pode vetar o projeto aprovado pelo Congresso ou deixar que a MP perca sua validade para negociar em uma posição mais favorável, usando como pressão o vácuo legal que a situação pode criar.
A situação de Dilma Rousseff, no entanto, é delicada. No caso do fim das APPs de rios intermitentes, se a proposta passar pelos plenários da Câmara e do Senado, a presidenta terá dificuldades para vetá-la porque a alteração dos ruralitas apenas incluiu a palavra “perene” no inciso I do Artigo 4º, que define o que é a APP. Dilma teria de excluir todo o inciso, o que deixaria uma lacuna grave no texto da lei.
A MP perde a validade em outubro. Se isso ocorrer, a alternativa seria apresentar uma nova MP, mas a lei determina que isso só pode ser feito no ano que vem. Não está descartado, portanto, um vácuo legal de alguns meses. Neste semestre, por causa da campanha eleitoral, as votações no Congresso ficarão limitadas a algumas semanas intercaladas.
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