terça-feira, 17 de agosto de 2010
O casamento, essa espécie em extinção
Começa na próxima semana, no POP, um curso do psicanalista Moises Groisman que tem como título Ainda existe o casamento? Resumindo a proposta do curso: mostrar as modificações pelas quais passa o casamento nos dias atuais e analisar como essas modificações têm abalado sua estrutura, discutindo os desgastes causados pelo nascimento dos filhos e pelo tempo de convivência do casal. Terapeuta de casais, Groisman dará quatro aulas temáticas, uma delas dedicada ao divórcio e a última ao recasamento.
Das melhores coisas que já li sobre as impossibilidades do casamento foi escrito por Laura Kipnisi, em “Contra o amor – uma polêmica”. No livro, a professora norte-americana derruba os pilares nos quais se apóiam as esperanças de felicidade: amor, casamento e fidelidade são, para a autora, ideais impossíveis e amarras que só atrapalham.
Desde o título o livro anuncia a que veio: “Contra o amor – uma polêmica” quer sacudir alguns dos pilares nos quais estão fincados os ideais de felicidade da sociedade ocidental: amor romântico, casamento, fidelidade não são, para ela, os elementos de uma fórmula que, somados, chegam na tal da felicidade. Ao contrário, o que Laura defende é que estamos enfiados numa enorme roubada: esperamos satisfação de um modelo fadado ao fracasso, que só pode oferecer tédio e frustração.
Escrito num tom de sarcamos quase agresssivo, muito bem captado pela tradutora Ryta Vinagre, “Contra o amor” parte da idéia de que o adultério é inevitável em qualquer casamento, conseqüência do fato de o modelo de casamento em vigor estar totalmente ultrapassado, mas não ter sido substituído por falta de coisa melhor – e por ainda ser de grande interesse ao sistema econômico. Laura define o casamento como uma fonte de “anestesia emocional” que transforma cônjuges em robôs lobotomizados, programados para viver como “servos da economia glogal”: alienados, rotinizados e enfraquecidos.
Essa visão catastrófica do casamento ela sustenta ora com teorias e informações, ora com muito bom humor, com destaque para as citações dos cartuns da revista “New Yorker” sobre vida a dois (Marido chega em casa e diz para a mulher: “Agora que as crianças cresceram e foram embora achei que poderia ser uma boa época para a gente transar. Mulher para marido: Não estou tentando mudar você – estou tentando melhorar você.). Laura chama atenção para o fato de que, embora descasar seja cada vez mais a norma, e não a exceção, vive-se o desgosto do amor que não deu certo como inadequação e sensação exacerbada de fracasso pessoal. É o que faz, segundo ela, que o aconselhamento conjugal tenha se transformado num excelente negócio, que mobiliza nos EUA 50 mil terapeutas.
Seu primeiro argumento é que a lógica do trabalho, com sua relação custo-benefício, dedicação em horas, expectativa de retorno, planejamento e metas, invadiu as relações afetivas de tal forma que um casal experimenta, na vida afetiva, as mesmas regras que aceita docilmente na empresa. “Quando a monogamia vira trabalho, quando o desejo é organizado por contrato, com a contabilidade registrada e a fidelidade extraída como o trabalho dos empregados, com o casamento parecendo uma fábrica doméstica policiada por uma rígida disciplina de chão-de-fábrica planejada para manter as esposas, os maridos e os parceiros domésticos do mundo agrilhoados à maquinaria do status quo – será que é isso que realmente significa um ‘bom relacionamento’?”
Laura mais pergunta do que responde, e o grande mérito do seu livro é fazer perguntas certeiras, precisas, agudas. A leitura de “Contra o amor” é, de certa forma, incômoda. Casado ou solteiro, qualquer leitor que já tenha experimentando um compromisso afetivo será capaz de se identificar com as críticas de Laura, que vê na ambivalência do casamento uma das principais razões para que o modelo de conjugalidade seja totamente incompatível com a felicidade: “Por um lado, o anseio por intimidade, por outro, o desejo de autonomia; por um lado, o conforto e a segurança da rotina, por outro, sua medonha previsibilidade; por um lado, o prazer de ser conhecido profundamente (e conhecer profundamente outra pessoa), por outro, os papéis restritivos que essa familiaridade prevê – o bordão das interações de casal; a repetição das discussões; o tédio e a rigidez que não serão transcendidos nesta vida nem em outra, e que se consolidam naquelas rotinas de casais familiares demais.”
Descrições como essa, que valem por um soco no estômago, são freqüentes no livro. As quatro páginas em que a autora relaciona tudo aquilo que pessoas casadas não podem fazer valem o preço do exemplar. Irresistível retirar do livro alguns exemplos: “Não pode sair de casa sem dizer onde está indo, não pode planejar nada sem consultar o outro, nem tomar decisões sobre o uso do tempo do lazer sem uma consulta. Não pode dormir separado, não pode ir para cama em horários diferentes, não pode cair no sono no sofá sem acordar para ir para cama. Não pode aumentar o ar-condicionado do jeito que quer. Não pode deixar de fazer as refeições. Não pode deixar de planejar essas refeições. Não pode deixar de jantar com o outro. Não pode deixar de preferir comer o que o outro cozinhou.” A lista segue tão detalhada quanto lancinante. Exageros a parte, é uma radiografia afiada de um relacionamento a dois.
De todas as perguntas inquietantes que a autora levanta no livro, talvez a mais desconcertante seja: “E por que o amor moderno se desenvolveu de tal modo que maximiza a submissão e minimiza a liberdade, com tão pouco debate sobre o assunto? Não é meio deprimente pensar que somos de certo modo incapazes de inventar formas de vida emocional baseadas em qualquer outra coisa que não seja subjugação?”
Se a sua resposta é sim, é muito deprimente, o único alívio que o livro de Laura dá é fazer você descobrir que, pelo menos, não está sozinho nessa roubada.
Blog: Contemporânea
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