sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Ciganos e judeus: o racismo de volta



Por Mauro Santayana

Duas notícias de ontem convocam nossa vigilância. Na França se reiniciou, por ordem de Sarkozy, a deportação de ciganos para a Romênia e a Bulgária, países pertencentes à União Europeia. No Rio Grande do Sul, 14 jovens racistas e agressores de judeus somente agora, cinco anos depois do crime, serão levados ao tribunal do júri.

Embora europeus – com direito de ir e vir na União Europeia – os ciganos são indesejáveis no país que aprovou, há 221 anos, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Este é um dos paradoxos da globalização: retorna-se ao livre trânsito para os capitais e as mercadorias, mas se fecha o passo às pessoas. Os ciganos são um povo nômade, sem pátria, com forte cultura própria – e sem dinheiro. Os judeus conseguiram sua pátria na Palestina, mas os ciganos são escorraçados de todos os lugares. Somente em parte da Europa do Leste são tolerados, embora nem mesmo ali sejam amados.

Abre-se pequena exceção para a Andaluzia, onde a tradicional solidariedade islâmica, durante os 700 anos de presença no sul da Espanha, lhes deu acolhida. São, ainda hoje, e ali, los gitanos, grandes intérpretes do balé flamenco e do cante jondo, exaltados por Federico Garcia Lorca e outros grandes poetas espanhóis. Os expulsos da França são cidadãos europeus de pleno direito, mas como se sabe, todos têm os mesmos direitos, menos alguns.

O racismo continua maculando a civilização que se identifica como cristã. E nesse capítulo, a França tem tenebrosa tradição. Entre outros casos, houve o clamoroso caso Dreyfus, no fim do século 19, quando ato de espionagem em favor dos alemães foi atribuído ao oficial francês Alfred Dreyfus, pelo fato de ser judeu. E não se fale do que ocorreu com os colaboracionistas da França ocupada e o governo de Vichy, responsáveis pela deportação e a morte de centenas de milhares de judeus e ciganos nos campos de concentração nazistas – além, naturalmente, da entrega dos resistentes franceses à Gestapo.

O racismo é a mais estúpida deformação do homem. Nós podemos condenar o sionismo – e, com ele, o estado militar de Israel – mas não podemos admitir o anti-semitismo, da mesma maneira que é intolerável a discriminação contra os negros, os índios, os mestiços e os ciganos. E por sermos mestiços, somos, os brasileiros, indesejáveis até mesmo em países economicamente menos importantes do que o nosso, como a Espanha.

Em São Paulo, e no Rio Grande do Sul, jovens se organizam, defendendo a “supremacia da raça branca”. Foi sob essa arrogante e presumida superioridade que o nazismo cresceu e contaminou a Europa. Se não fosse a brava resistência de uma minoria de patriotas nos países ocupados, e a ação decisiva dos aliados, entre os quais nós, brasileiros, estaríamos todos submetidos ao império germânico mundial.

Jovens paulistas pregam, abertamente, a expulsão dos nordestinos, que constituem a maioria da classe trabalhadora da capital do estado. No sul, grupos fascistas ameaçam também negros e nordestinos, ao mesmo tempo em que defendem a separação dos estados meridionais, e a constituição de um país independente do resto do Brasil, sob o argumento de que seus cidadãos são europeus puros.

As autoridades brasileiras têm sido tolerantes com esses grupos, que parecem inexpressivos. Mas é preciso que a Polícia Federal e o Ministério Público investiguem suas atividades, e os levem aos tribunais, antes que seja tarde. Os nazistas eram meia centena de baderneiros em 1923. Dez anos depois estavam no poder.

Jornal do Brasil

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