sábado, 20 de maio de 2017

Lava a Jato e Mídia: o fermento do ódio na formação de valores antidemocráticos


O plano de destruição do ex-presidente, por meio de uma condenação sem provas, não teve o resultado esperado pelos operadores do golpe

Paulo Pimenta*

“O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à resolução para impedi-lo de governar”. Carlos Lacerda, 1950.

Apesar do jogo pesado de artimanhas jurídicas e midiáticas que seguem um rito de disseminação da injúria, de ataque e perseguição permanentes à presidenta Dilma e a Lula, o plano de destruição do ex-presidente, por meio de uma condenação sem provas, não teve o resultado esperado pelos operadores do golpe. O estratagema criado para eliminar Lula, um adversário de esquerda superior na disputa política com a direita no país, consolidando o golpe de 2016, não é o da contestação e sim da desconstrução da pessoa, sua trajetória, história, família e honra. O espaço que desvaloriza a argumentação tem como protagonistas indivíduos quem rejeitam a democracia e se valem do insulto para aprofundar a polarização marcada pela intolerância.



A ruptura institucional no Brasil abriu uma trincheira de combate no campo político que é recheada de preconceito e ódio. O governo antidemocrático modifica a concepção política do Estado para governar sem obedecer ao programa de governo e recorre à força e à violência para conter a oposição às medidas neoliberais e a resistência às perseguições políticas. A política deixou de representar o espaço de construção coletiva que compreende a pluralidade de concepções e se transformou em negação das diferenças, que implica em cerceamento às liberdades e aos direitos.



O caráter fascista que emerge na sociedade brasileira é estimulado por discursos que fazem apologia à grilagem, ao genocídio, à tortura, à misoginia, à homofobia e outros que reforçam estigmas a fim de justificar e obter a cumplicidade da opinião pública para combater os adversários políticos que são tratados como inimigos a partir de uma narrativa que constrói a figura de grevistas como “vagabundos”, manifestantes como “terroristas”, líderes políticos como “ladrões” e toda ideologia contra o sistema como “esquerdopata”. Nessa empreitada, o governo ilegítimo sustenta a tese de que precisa “restaurar a ordem” no país, tendo como porta-vozes legisladores, juristas e comunicadores que fermentam o ódio a fim de legitimar o abuso de poder e o uso da força.



A lógica da guerra foi instalada e se direciona contra sindicalistas, povos indígenas, trabalhadores/as que lutam pela terra, negros/as, mulheres, partidos de esquerda e outros movimentos sociais e indivíduos que não se submetem à supressão dos direitos que provém da ameaça da violência. A grande arma de combate aos adversários políticos advém da concentração do controle da mídia no Brasil que reforça sistematicamente a fermentação de mais o ódio.



O monopólio de seis famílias que detém o poder da informação no país instalou um mal-estar com a perseguição declarada ao ex-presidente Lula e sua família, e isso alimenta uma explosiva divisão entre aqueles quem não se submetem à manipulação, à persuasão da criminalização midiática e se opõem à dominação e aqueles que defendem a ação coercitiva do Estado, o poder autoritário, a repressão, a censura, a perseguição e as prisões políticas, excluindo os princípios e os valores democráticos.



A mídia se encarrega, por exemplo, de cobrir de legalidade e criar justificativas para os atos ilegais do Poder Judiciário, alimentando o senso comum de que tudo é permitido nessa “cruzada” contra seus opositores. Essa perseguição e manipulação são facilmente perceptíveis quando os fatos em si - apresentação de provas - passam a ter um caráter secundário em sua cobertura, e a não-notícia “Lula atribui a Marisa interesse pelo tríplex (O Globo 10/06/2017) torna-se o objeto da cobertura jornalística, como estratégia de manter e intensificar o pré-julgamento e a condenação de Lula pelo aparato midiático.



Vinício Lima quando analisa o tema da urgência da democratização dos meios de comunicação no Brasil diz que o que de fato é urgente é acabar com a corrupção da opinião pública e explica: “Se corrupção é a prevalência de interesses privados e ilegítimos sobre o interesse público, quando a mídia, seletivamente, apresenta e divulga interesses seus como se fosse o interesse público, ela desenvolve um processo crítico de corrupção da opinião pública”.



Os vazamentos seletivos, o emprego de recursos emocionais e simbólicos e de todos os meios incluindo o abuso de autoridade e a manutenção de prisões provisórias para a obtenção de delações foram estratégias utilizadas para atingir um alvo, a condenação do ex-presidente. Tudo isso impediu o diálogo e deu holofotes à “Lava a Jato”, mas também mostrou como essa operação se tornou um instrumento de combate permanente e de perseguição que fez crescer a disputa. A ferida do golpe de 2016 permanece aberta e a tentativa de impedimento da candidatura Lula em 2018 mostra que estamos diante de um quadro gravíssimo e que a luta é contra a morte da democracia no país.



O fermento do ódio criou uma simbologia em torno do tema da “corrupção” que atribui a responsabilidade à esquerda ao mesmo tempo em que essas investigações são manipuladas para resguardar os grandes esquemas fraudulentos que envolvem poderosos grupos políticos e empresariais. A estratégia de misturar os processos jurídicos com a política produziu as falsas verdades e gerou fanáticos que convertem o discurso de ódio em uma violência contra o Estado democrático de direito.



A opinião pública corrompida torna-se conivente com o abuso de poder, abandonando os valores constitucionais que constituem a essência da democracia. Nesse cenário, a greve geral que parou o país para protestar contra as reformas trabalhista e previdenciária foi rotulada como uma ameaça à ordem desconsiderando-se que a população não discutiu tais propostas e não elegeu legisladores com legitimidade para aprová-las.


Enfrentar o ódio é uma tarefa fundamental. O recurso do ódio é eficaz na formação antidemocrática que aponta alvos, alimenta calúnias e autoriza operações de combate aos supostos inimigos, mas não contribui para a resolução de nenhum dos problemas que afligem a sociedade brasileira.



Eliminar o ódio implica reconhecer que existem pessoas que embora não sejam orgânicas de um projeto fascista aderem a ele e tornam-se agentes de violências. E também implica desviar das armadilhas da fermentação do ódio e abrir espaços de diálogo capazes de desconstruir seus discursos e suas práticas e investir em novas formas de participação que permitam reconstituir a unidade política em torno de projetos que se opõem às desigualdades e às violências e mantém o ideal de construir um mundo melhor. O desafio é traduzir esse sentimento em uma mobilização que represente o oposto do poder autoritário.



*Paulo Pimenta é jornalista e deputado federal pelo PT-RS.

Carta Maior


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