sábado, 20 de maio de 2017

Protagonismo altamente suspeito

Antonio Machado

DESCULPE falar, mas se você anda muito revoltado com o atual cenário político brasileiro, indignado com as revelações de que a nossa democracia é mesmo uma bandalheira, financiada ilegalmente pelo caixa dois, pelas doações irregulares de empresários ricos, ou pelo autofinanciamento de campanha dos candidatos endinheirados, enfim, se você anda revoltado demais, achando que tudo isso é uma sacanagem geral, querendo acabar com a política e com os políticos e prender todo mundo, desculpe falar, mas o erro pode estar em você.



É que o sistema político brasileiro, e portanto, a democracia que temos, por óbvio, é uma democracia liberal burguesa. E esse tipo de democracia representativa, supostamente fundado na soberania do voto popular, tem de ser financiado por alguém – é assim no mundo todo. E esse alguém, que financia o sistema político burguês, é a própria burguesia, naturalmente. Ou você acha que a classe trabalhadora, e os pobres, teriam dinheiro para financiá-la? Quer dizer, se há alguém que corrompe a política brasileira com dinheiro, esse alguém só pode ser mesmo o “dono do dinheiro”.



É assim em todo o mundo capitalista, comandante. A diferença é que alguns países desenvolvidos já se entenderam quanto à forma de financiar a política. Lá, os ricos contribuem de maneira mais ou menos igual para que nenhum endinheirado “compre” mais poder político do que o outro. Mas, de qualquer modo, são sempre os ricos que financiam o sistema. Se algum endinheirado se mete a doar mais dinheiro do que seu concorrente, acumulando muito poder político (como aconteceu agora no Brasil com o setor da construção civil), a lei coibe o excesso, não porque ele seja imoral, mas, sim, porque o poder político, nas democracias capitalistas, deve ser “partilhado” igualmente entre os ricos – financiadores de campanha.



Por isso, não há muito o que estranhar com essas revelações todas de que a democracia brasileira é mesmo “irrigada” pela dinheirama dos endinheirados. Logo, essa delação da JBS que acabou de acabar com o inexistente “governo Temer”, e que poderá resultar na renúncia, ou em mais um processo de impeachment no espaço exíguo de um ano, não deveria deixar ninguém de queixo caído. Isso é absolutamente previsível num sistema político frágil, dominado pelos poderosos, e corrompido de cabo a rabo pelo dinheiro da elite econômica – digamos assim: é “normal” que essas coisas aconteçam, e que sejam combatidas sistematicamente pelos meios normais.



O que não é normal, o que chama a atenção, o que deveria nos preocupar mais detidamente (ao invés de ficarmos bradando de maneira bizarra contra a corrupção), é o protagonismo da Rede Globo nesse imblóglio todo. Raciocine comigo: a Globo tem o monopólio da informação no Brasil (isso já seria ilegal em qualquer país desenvolvido e sério); acabou de “patrocinar” ostensivamente o impeachment de Dilma Rousseff; protagonizou todos os “vazamentos” contra Dilma e o PT; e protagoniza mais essa agora, aparecendo como a guardiã da democracia ao divulgar a delação que vai derrubar também o governo Temer – não por acaso, no Jornal Nacional de ontem, num evidente ato-falho do apresentador, Michel Temer foi chamado de “ex-presidente”, numa evidência de que a Globo já sabe o que vai acontecer daqui pra frente.



Então, continuemos raciocinando: como se sabe, o delator da JBS é o terceiro maior anunciante da Rede Globo. Sem o dinheiro dessa empresa a Globo não fecha as contas. Logo, os Marinho, em mais um golpe de mestre, resolveram “fritar” o Michel Temer e, ao mesmo tempo, preservar o faturamento da emissora. Tudo se arranjou: (1) o empresário, que estava afastado da empresa JBS por decisão judicial, fez acordo com o Ministério Público e, por esse acordo, vai pagar 225 milhões de reais para não ser preso, isto é, “comprou” sua liberdade; (2) e a Rede Globo, a seu turno, dá o “furo” jornalístico da delação bombástica, capitalizando o “mérito” de ser a fiscal da nossa maltratada democracia.



É isso mesmo, pode conferir: o jornalista, Lauro Jardim, que publicou ontem a matéria explosiva da JBS n’O Globo, já está posando de herói nas mídias, exemplo de jornalismo sério, investigativo e comprometido com a democracia. Mas não se esqueçam: foi esse mesmo jornalista que publicou, em 2015, a notícia mentirosa de que o filho e a nora do Lula haviam sido delatados pelo lobista Fernando Baiano em delação homologada pelo STF. A notícia mendaz causou um enorme transtorno para a família do ex-presidente e desinformou a opinião pública – tanto que o jornal O Globo teve de desmenti-la em seguida. Foi esse mesmo jornalista quem divulgou, indevidamente, o endereço particular de Dilma Rousseff, onde ela iria residir no Rio de Janeiro após o impeachment, para dizer, também falsamente, que ela residiria num apartamento de alto padrão – servicinhos assim, que ele costuma prestar.



Em resumo, e pra encurtar a conversa: como vem acontecendo desde os anos 60, a Rede Globo tem mandado e desmandado na política brasileira. Elege e derruba presidente com a mesma facilidade com que nós trocamos de roupa, num insolente desprezo pela soberania popular. E o pior é que – você não sabe! -, mas a esta altura ela (a Rede Globo) já tem no bolso do colete o nome do seu novo presidente da república – mais um que ela põe e tira quando quiser; e vai enfiá-lo goela abaixo do provo brasileiro enquanto esse povo, distraído, fica por aí feito bobo da corte fazendo piadinha na internet e esgoelando contra a tal da corrupção – sempre a corrupção!


Avessoedireito


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