domingo, 1 de maio de 2016
Deus, um fiador: sobre política, religião e Estado Laico
Sandson Rotterdan,
O nome, em algumas tradições religiosas tem por função identificar o ser de quem se fala. Ele, de alguma maneira carrega em si uma entidade, um ser. Não é atoa que na tradição judaica Deus é denominado de ha shem, o nome. Quando as pessoas fazem um ato em nome de outrem querem, via de regra, dignificar e legitimar o que estão fazendo e, de alguma maneira, se eximem da responsabilidade: faço em nome de, e não no meu. A responsabilidade última pelo ato é o nome que o legitima.
O que se viu na votação da admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff na câmara dos deputados, para além dos tragicômicos discursos dos representantes do povo foi o uso de um nome que, tradicionalmente sintetiza os ideais de verdade, bondade e beleza, para legitimar um tipo de política ao invés de se julgar as bases legais de um possível crime de responsabilidade praticado pela mandatária.
É preciso aprender com a história e pensar todas as atrocidades que se cometeu em nome de Deus. A bondade, verdade e beleza, por vezes converteu-se em maldade, atrocidade e fealdade. Em nome de Deus pessoas foram mortas por não se conformarem com um tipo de verdade-fundamento absoluto, negador da criatividade e da diversidade humanas. Em nome de Deus dizimou-se as culturas ancestrais, saqueou-se povos, escravizou-se seres humanos. O nome de Deus é uma perigosa arma de dominação. Perigoso. O nome de Deus é demasiado perigoso, pois poderoso que é, mata os pequenos em mãos de tiranos.
Em nome de Deus mulheres são apedrejadas, homossexuais são assassinados, pensadores são perseguidos e silenciados... em nome da bondade, da beleza e do bem.
Ironias à parte, a instrumentalização do nome de Deus é algo perigoso no campo da política. A política feita em nome de Deus corrompe-se da arte de promover o bem dos que convivem na polis em instrumento de uniformização, moralização e opressão de minorias. A política perde seu caráter democrático, participativo e popular para corromper-se em um governo de manobras em nome de verdades particulares travestidas de universais, onde seguidores da religião hegemônica pretendem instituir suas regras e valores morais para todo o Estado, usando para isso as credenciais do nome divino. Em lógica isso se chama argumento à autoridade, ou seja, camufla-se de verdade um argumento que falta com ela.
O que vemos no país, com a bancada da bíblia é dilapidação do Estado Laico. A liberdade de consciência vê-se obrigada a submeter-se a morais e dogmas religiosos particulares que adquiriram legitimidade de representantes do povo por meio do voto, mas legislam em nome das crenças de Igrejas.
Talvez tudo isso seja sintoma do que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche anunciou com a morte de Deus. O homem insensato chega ao mercado, com uma lanterna acesa ao meio dia e anuncia a morte de Deus. As pessoas riem do homem insensato, como se ele estivesse constatando o que para elas é óbvio. Hodiernamente os religiosos sentem-se no direito de impor suas morais e bons costumes (sic) em nome de um Estado Laico. O parlamento brasileiro é, talvez, túmulo de Deus assim como as igrejas o são na obra do filósofo (1). Esse referencial, Deus, passa a ser risível e o parlamento um circo. A sombra de Buda ainda se mostra na caverna por muito tempo. A sombra de o que fora Deus – fundamento da moral e dos bons costumes – persiste na caverna do parlamento. Há quem se submeta!
Talvez encarar a morte de Deus como metáfora seja libertador para as religiões. Doravante elas não precisam sustentar verdades eternas, imutáveis e opressoras, mas podem se contentar em contar fábulas que, de alguma forma, deem algum sentido para alguma vida. Talvez um Estado de fato laico libere as religiões para a crítica e a construção democrática não impondo seus valores a toda a sociedade, mas na vanguarda da luta por uma sociedade que, de fato, preze pelos Direitos Humanos, na diversidade de o que significa ser ser humano. A metáfora da morte de Deus libera-o de ser fiador de políticas retrógradas, conservadoras, opressoras, excludentes para que ele seja apenas um dançarino... crer em um Deus que dance, cujo nome não inspira nenhuma confiança política, mas implica a leveza de dançar polifonias ricas em ritmos, versos, instrumentos e timbres.
Que cada um seja capaz de votar em seu nome e responsabilizar-se por seus atos e que Deus dance!
#NaoEmNomeDeDeus #NaoEmNomeDaReligiao
(1) A título de referência, recomendo a leitura dos parágrafos 108, 125 e 343 de “A gaia Ciência” de Nietzsche.
#NaoEmNomeDeDeus #NaoEmNomeDaReligiao
REJU/MG, Filósofo, Teólogo, Mestre em Ciências da Religião/PPGCR-PUC Minas
Reju
Rede Ecumênica da Juventude
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