Folha - Você é feminista ou antifeminista?
Camille Paglia - Eu certamente
sou uma feminista. 100%. Os motivos pelos quais eu discordo de boa parte das
feministas de hoje é que minha militância começou no início dos anos 60,
antes da reviravolta que o movimento teve no final daquela década.
Eu
dei uma aula na semana passada na qual eu falava sobre o filme "Núpcias
de Escândalo", com Katharine Hepburn. A mãe da atriz era uma das líderes
da campanha pelo sufrágio das mulheres, e a própria atriz, antes da Segunda
Guerra Mundial, estava participando das manifestações de sufragistas. Eu
estava obcecada também por Amelia Earhart, pioneira da aviação e uma dessas
mulheres emancipadas dos anos 20 e 30.
Eu
admiro demais essa geração de mulheres. Porque elas não atacavam os homens,
não insultavam os homens e não apontavam os homens como fonte de todos os
problemas das mulheres. O que elas pediam era igualdade de condições no
âmbito da carreira e da política e queriam demonstrar que podiam obter as
mesmas conquistas dos homens. Era como dizer: somos como os homens, admiramos
os homens, amamos os homens.
Hoje
em dia, as feministas culpam os homens por tudo! Elas exigem que os homens
mudem, querem que eles pensem e ajam como mulheres, almejam que o
protagonismo dos homens seja reduzido. Esse é o terrível problema do
feminismo contemporâneo, porque, em última instância, isso está fazendo as
mulheres retrocederem e as está enfraquecendo.
As
mulheres de hoje não são tão fortes como as grandes mulheres dos anos 20 e
30. Então as pessoas me chamam de antifeminista. Mas não: eu sou contrária à
ideologia feminista do presente, que é doente, indiscriminada e neurótica. E,
mais do que tudo, não permite à mulher ser feliz.
As
mulheres precisam se responsabilizar por suas vidas e parar de culpar os
homens por seus problemas, que têm mais a ver com questões e estruturas
sociais, e não são fruto de uma conspiração masculina.
Se os homens se parecessem mais com as mulheres, como
você diz desejarem as feministas de hoje, o que aconteceria?
As
mulheres querem que os homens se comuniquem como elas. Mas, em toda a
história da humanidade, as mulheres viveram entre si e os homens viveram
entre si. Eram dois mundos separados. A mulheres cuidavam das crianças, da
casa, da alimentação, e os homens caçavam e faziam o trabalho pesado. Sei
disso porque todos os meus quatro avós eram agricultores italianos, e meus
pais nasceram neste ambiente. Sou a primeira geração que cresceu fora dessa
estrutura.
O
problema hoje é que as mulheres, educadas e ambiciosas, querem entrar no novo
mundo burguês do trabalho em escritórios, que são parte do legado da
Revolução Industrial. Então temos um novo mundo em que homens e mulheres
trabalham lado a lado nos escritórios, em que a divisão do trabalho entre
homens e mulheres não existe. Portanto, ambos têm de mudar suas
personalidades para se encaixar nessa realidade porque ambos são uma unidade
de trabalho, são a mesma coisa.
É
muito frustrante para os dois porque, neste ambiente neutro, em que as
mulheres ganharam muito poder, a sexualidade do homem ficou neutralizada. E
essas mulheres querem se casar com um homem com quem seja fácil se comunicar.
E fora do ambiente de trabalho, qualquer homem que se comporte como homem
provoca reações negativas.
Eu
vejo grande infelicidade entre mulheres profissionais porque elas querem que
suas vidas amorosas tenham a comunicação maravilhosa que elas têm com outras
mulheres. A mulher profissional casa com o homem profissional e espera que,
ao chegar em casa de noite, ele se comunique com ela como suas amigas ou seus
amigos gays. E os homens heterossexuais jamais serão capazes na arte da
análise emocional. Não dá para cobrar perfeição dos homens, como se
estivéssemos no escritório.
Homem
e mulher têm de convergir numa unidade de trabalho. Há uma terrível
desconexão para as mulheres entre suas vidas profissionais e amorosas. Para
os homens não é tão difícil porque eles encontram sexo mais facilmente. Eles
não precisam casar com uma mulher para fazer sexo com ela. Para mulheres, é
um período terrível de infelicidade, porque elas têm muita dificuldade em
ajustar a mulher do trabalho, que tem poder e conquistas, com a mulher
emocional, uma arena na qual as habilidades exercidas no escritório não funcionam.
Para
os homens é frustrante porque, se o trabalho que eles fazem pode também ser
feito por uma mulher, no que consiste sua masculinidade, afinal? Se antes o
homem tinha o trabalho pesado, braçal, hoje, eles estão se perguntando quem
são.
Como essa crise masculina se manifesta?
Tenho
me preocupado muito com a epidemia do jihadismo no mundo, que é um chamado da
masculinidade e está atraindo jovens homens do mundo inteiro. É uma ideia de
que ali, finalmente, homens podem ser homens e ter aventuras como homens
costumavam ter.
A
ideologia do jihad emerge numa era de vácuo da masculinidade, graças ao
sucesso do mundo das carreiras. O Estado Islâmico, por exemplo, usa vídeos
para projetar esse romance, esse sonho de que os jovens podem abandonar suas
casas, integrar a irmandade e se lançar numa aventura masculina por meses, na
qual correm risco de morte. Antes, havia muitas oportunidades de aventuras
para homens jovens. Hoje, suas vidas são como as de prisioneiros: presos nos
escritórios, sem oportunidade para ação física e aventura.
O
sistema de carreiras ocidental se tornou tão elaborado e aprisionado, que
está produzindo, como no Império Romano, bandos de vândalos. É difícil para a
classe média entender o fascínio do risco e da morte, de fazer parte de uma irmandade.
Eu
estou muito preocupada politicamente com a forma como as elites não sabem
responder a esse movimento. E parte disso é uma revolta dos homens e uma
busca dos homens por sentido para eles enquanto homens. O mundo ocidental se
tornou tão materialista, e todos estão pensando no próximo apartamento,
próximo carro ou próximo emprego, que somos lentos para entender e responder
a esse tipo de fenômeno.
Como reverter o desencontro entre homens e mulheres
hoje?
O
feminismo cometeu um grande erro ao difamar a maternidade. Quando a segunda
onda do feminismo começou no final dos anos 60 e início dos anos 70 e foi
piorada pelas ideias de Gloria Steinem, que pregou a desvalorização da mulher
como esposa e mãe, e a valorização da mulher profissional como aquela que é
realmente livre e admirável.
Betty
Friedan (1921-2006), que eu admiro, começou a segunda onda do feminismo ao
co-fundar a Organização Nacional para as Mulheres, em 1967. Ela era casada e
tinha filhos, e queria que o feminismo fosse uma grande tenda que incluísse e
acolhesse a todos. Mas Gloria Steinem era parte de um grupo que só se casou
no final da vida e não teve filhos, e havia um tom de insulto ao tratar da
maternidade.
Minha
análise das relações sexuais, no livro "Personas Sexuais", é que a
imagem da mãe é extremamente poderosa e que é o motivo pelo qual conexões
entre os sexos é instável. Toda pessoa emerge do corpo feminino, do útero, e
o feminismo cometeu um erro ao tentar apagar a importância disso, tornando o
nascimento um processo mecânico. A imagem mitológica da mãe é muito poderosa
para os homens no nível psicológico. Todo menino precisa se livrar da sua
mãe. E todo heterossexual que penetra uma mulher retorna ao útero.
Há
uma ansiedade e um perigo no ato sexual entre homem e mulher. O homem se
sente em risco ao colocar seu pênis no que considera uma potencial armadilha.
Por isso há e sempre haverá uma ambivalência na relação sexual entre homens e
mulheres. Ele deseja a mulher, ele quer ser nutrido por ela, e quer se livrar
dela ao mesmo tempo porque tem receio de ser preso novamente no útero.
Muitos
dos comportamentos machistas, arrogantes e estúpidos, são formas tortas de o
homem dizer que não está sob o poder da mulher, que não é mais um bebê. São
parte do medo do poder da mulher, do útero e da criação. Qualquer pessoa que
tentar racionalizar isso, não irá pelo caminho certo.
E é isso o que o feminismo está fazendo, na sua
opinião?
Sim.
O feminismo é muito racionalista. Está tentando consertar a mecanismos
sociais, consertar a sociedade, passando leis contra a discriminação e a
favor de cotas para as mulheres. Eu concordo que precisamos de igualdade de
condições, mas isso não vai resolver os problemas entre os sexos porque o que
existe aí é uma consequência direta da biologia, que não tem sido
considerada.
Há
todas essas pessoas com ideias estúpidas, que derivam de Michel Foucault
(1926-1984), negando a existência dos gêneros. Dizem que o gênero é algo
imposto pela sociedade, que não há base biológica para a ideia de gênero.
Essas pessoas estão malucas? Elas não sabem que toda e qualquer pessoa que
está na face da Terra nasceu do corpo feminino?
As
mulheres têm um poder tremendo sobre os homens. Se as feministas não querem
esse poder, e querem apenas ser iguais aos homens, ok. O que eu vejo como
observadora e como professora é que os homens são muito frágeis
psicologicamente em relação às mulheres. E quando as mulheres renunciam ao
poder da maternidade, como aconteceu na segunda onda do feminismo, elas
perderam uma parte enorme de seu poder sobre os homens.
As
mulheres que entenderam seu poder sobre os homens são mais felizes. As
mulheres que pedem que os homens mudem e se aproximem delas são mais
nervosas, são brutais. Elas não têm confiança no seu poder como mulheres.
As
mulheres que têm sucesso com os homens são aquelas que mantém uma certa
qualidade maternal e entendem as fraquezas dos homens. E têm pena deles por
isso. Elas tratam homens com humor e conseguem entender as necessidades dos
homens e nutri-los de certa forma.
De que maneira o adiamento da maternidade das últimas
gerações de mulheres é produto desse tipo de pensamento da segunda onda do
feminismo?
Gloria
Steinem é responsável por isso. Ela e seus problemas psicológicos. Ela teve
uma infância terrível. Seu pai era negligente, abandonou a mãe, a mãe teve
problemas psiquiátricos.
Steinem,
então, mantinha aquele sorriso como se tivesse a resposta para tudo. E ela
dizia: a mulher pode ter tudo. E dizia também: uma mulher precisa de um homem
tanto quando um peixe de uma bicicleta. Mas em todas as festas que ela
frequentava em Nova York ela tinha um homem nos braços.
Ela
pregava que a mulher cuidasse de sua carreira e deixasse a maternidade para
mais tarde. Só a completa ignorância da biologia permitiu isso, porque
sabemos que a fertilidade feminina é maior quanto mais nova ela é, e que a
gravidez é mais segura antes dos 35 anos. E há gerações inteiras de mulheres
que foram convencidas de mentiras. O que eu digo é que a verdade sobre a
biologia precisa ser dita para as meninas cedo.
A mulher tem de escolher entre carreira e maternidade?
Sem
dúvida. O mecanismo da educação-treinamento será sacrificado de alguma
maneira para as mulheres que escolherem ter filhos. Elas provavelmente podem
alcançar sucesso profissional mais tarde, mas tem um grande valor em ter
filhos mais cedo.
Por
exemplo, eu nasci quando meus pais tinham 21 anos. Não tínhamos grana, mas
eles tinham muita energia e eram otimistas. Catorze anos depois, minha irmã
nasceu, e meus pais estavam com 35 anos, eles tinham uma casa e uma vida
estável, com emprego e tudo mais. Os pais que eu tive foram completamente
diferentes dos pais que minha irmã teve. Então minha irmã é muito diferente
de mim. Ela tem modos (risos).
Então,
mulheres que acham que vão ter filhos aos 45 anos terão energia para correr
atrás de uma criança como os pais de 20 e tantos anos. Educação tem que se
adaptar a essa realidade da biologia.
As
universidades têm que ser mais flexíveis na oferta de cursos para mulheres e
de berçários nos campi para que elas deixassem seus filhos por algum tempo.
Deveria ser possível para uma mulher jovem decidir ter filhos cedo e
continuar a estudar meio período ou fazendo uma disciplina por vez, levando
mais tempo para se formar.
As
universidades se beneficiariam muito pela presença de estudantes casados e
com filhos. Muitas das besteiras que são ditas sobre gênero seriam melhor
debatidas se houvessem jovens pais nas salas de aula.
Como essa flexibilidade para jovens mães poderia ser
aplicada ao mundo do trabalho?
As
empresas não existem para serem agentes de mudanças sociais. Elas existem
para obter lucro. Aquelas criadas por investidores progressistas, como muitas
firmas na Califórnia, disponibilizam berçários, mas é tudo muito caro. E
mais: certos benefícios fazem com que funcionários que não têm filhos
reclamem.
Então,
isso precisa ser visto com cuidado porque precisa haver igualdade entre os
profissionais. A verdade é que maternidade é uma escolha e você precisa
aceitar que isso implica numa certa troca.
Há
muitas dificuldades na carreira no início, mas não depois. Minha geração de
mulheres, cuja maioria focava na carreira e nos salários, está quase se
aposentando. De repente, a realidade vai bater: no momento em que deixarem
seus empregos, elas não terão nada e serão rapidamente esquecidas. Poderão
ter uma aposentadoria financeiramente confortável, mas é só. Enquanto as
classes mais populares terão as crianças já crescidas e os netos e os
bisnetos. E isso traz um novo sentido à vida.
Precisamos
de um discurso melhor sobre o sentido da vida, que não é apenas algo
materialista.
Você adotou um menino. Como se vê enquanto mãe?
Sempre
deixei claro que eu sou sua parente, mas não sua mãe. Ele tem uma única mãe,
que é sua mãe biológica, que é minha ex-companheira, que vive aqui perto e
nós temos uma ótima relação centrada na criação dele. Eu estava lá no
consultório médico quando ele foi concebido, no hospital quando ele nasceu,
tenho sido parte da sua vida desde sempre.
Todas
as minhas observações sobre meninos e homens têm sido confirmadas na
experiência de ter um filho e de ter adentrado o mundo das mães. E vi com
meus próprios olhos que as mulheres comandam a vida das crianças, da casa e
do mundo emocional da família. E o marido, que antes era o número um, passa a
ser mais um no sistema da mulher. A mulher cria toda a rotina e o homem
executa o que ela diz.
Na contramão do discurso que nega os gêneros, há o
debate sobre os transgêneros. De que maneira o feminismo pode incluir essas
pessoas?
Vou
dizer algo controverso, mas real: eu me identifico como transgênero. Quando
era mais nova, esse termo não existia. Mas estava muito claro que eu era
muito inibida em relação ao meu gênero biológico desde sempre. Eu demonstrava
isso, ainda criança, no Halloween. Eu sempre escolhia um personagem masculino.
Fui um soldado romano, fui Napoleão, fui Hamlet... E nenhuma menina se
fantasiava assim. Eu me sentia alienada em ser uma menina.
Eu
estou muito preocupada com essa tendência cirúrgica para mudança do corpo.
Isso está por toda parte nos EUA. Dizem que a criança nasceu no corpo errado
e já começam com hormônios até chegar à intervenção cirúrgica. Se essa ideia
estivesse no ar quando eu era jovem, eu teria me tornado obcecada com isso.
Eu teria sido convencida de que essa seria a resposta para todos os meus
problemas com a sociedade contemporânea e sua rigidez sexual. E eu teria
cometido um engano terrível.
Por quê?
Transformar
o corpo cirurgicamente é uma ilusão. Há um número muito pequeno de pessoas
realmente intersexuais. É uma anormalidade congênita. A maioria dos casos não
é assim. Intervir no corpo, removendo o pênis ou os seios, é uma ilusão
porque todas as células do seu corpo permanecem sendo o que elas sempre
foram. Simplesmente não é verdade que você mudou de gênero.
Eu
acredito que é preciso respeitar o desejo das pessoas de transformar seus
corpos, seja por motivos cosméticos, médicos ou de gênero. Cada um tem poder
sobre o próprio corpo e eu sou uma libertária neste sentido. Por outro lado,
ninguém vai me convencer de que a Chaz Bono, a filha transgênero da atriz
Cher, é um homem. Ele precisa tomar uma injeção de hormônios todos os dias
para ser o que é, um transgênero, nunca um homem. Cada célula daquele corpo é
uma célula feminina.
As
pessoas que olham para esse debate e pensam que estamos caminhando para um
futuro progressista estão enganadas. Nós vivemos em um período em que os
gêneros são fluidos e ninguém se identifica com os papeis de cada um dos
gêneros no passado. Mas a ideia de que isso é um sintoma de saúde social está
errada. É o caos.
Estamos
numa fase tardia da cultura, como ocorreu com outras civilizações, em que as
definições dos sexos começam a se borrar e a se dissolver e surgem todos os
tipos de androginia e de brincadeiras com trocas de papéis entre feminino e
masculino. Eu adoro tudo isso, mas acho que não pode ser confundido com um
sintoma de saúde e de progresso. Sinto muito. É um sintoma de declínio
histórico da nossa cultura. E deveríamos nos preocupar porque isso indica
ansiedade e algo errado.
Eu
não noto, a propósito, nenhum avanço no campo das artes. Ninguém está em um
período especialmente fértil. Pelo contrário, todos estão obcecados consigo
próprios. O ego se tornou um trabalho artístico. As pessoas têm dez conceitos
diferentes sobre o que elas são. Acho que a obsessão com gênero e com
orientação sexual se tornou uma doença.
Eu
sou ateia, mas acredito no poder da religião e de sua visão do universo.
Vivemos essa transição da perspectiva religiosa para essa horrível
perspectiva centrada no indivíduo, com o apoio da mídia. Isso não são os anos
60, quando se pregou o poder do indivíduo contra a autoridade, mas a
destruição dessa ideia cósmica do lugar de cada um no universo. E isso tudo
convergiu para a obsessão por gênero e orientação sexual. Isso virou uma
loucura. É o novo narcisismo.
Há formas menos obsessivas de olhar para essas
questões?
Eu
apoio a união civil, mas nunca apoiei o casamento gay, por exemplo. Não acho
que o governo deve se envolver em casamento, um termo circunscrito à Igreja.
Perante a lei, deve haver igualdade de gêneros e orientações sexuais. Mas
deve haver mais respeito por religião. Se você quer se casar, vá a uma igreja
que aceite casá-lo. Mas a insistência de que o governo deve intervir neste
sentido é muito juvenil.
As
pessoas têm de assumir responsabilidade por sua identidade e estar preparadas
para desaprovação e rejeição. Os liberais ofereceram a arte como substituto
para religião, mas não vejo nenhuma criatividade relevante, mas um mundo de
trivialidades. As pessoas hoje estão neste sonho, alucinando ao pensar que o
mundo ocidental é eterno. Todos os grandes impérios caíram. Não somos
diferentes.
Qual é a consequência do narcisismo nas artes?
Não
vejo nada tão profundo sendo produzido hoje se compararmos àquilo produzido
em culturas mais repressivas. Tennessee Williams, que eu admiro muito, era um
artista gay quando isso não era fashion, e produziu trabalhos incríveis como
"Um Bonde Chamado Desejo" e "Gata em Teto de Zinco
Quente". Quem é o grande escritor gay neste mundo tão permissivo? Parece
que a repressão é um estímulo para a arte (risos).
O que você acha dos protestos topless, como a Marcha
das Vadias e as ações do grupo Femen?
Eu
adoro qualquer performance de rua, qualquer provocação pública, sejam
manifestações ou brincadeiras. Adoro a ideia de pequenos grupos desafiando os
poderes constituídos. Sempre participei de muitas delas até que fui
disciplinada na universidade porque me colocaram em condicional por um
semestre de tanto que eu aprontava.
No
entanto, essas meninas são totalmente incoerentes ideologicamente. Femen não
faz o menor sentido, é algo fabricado que não tem nenhum sentido político.
Uma mulher bonita, com belos seios e palavras desenhadas pelo corpo deveria
estar apoiando a indústria do sexo, a prostituição e a pornografia, e não
protestando contra a indústria do sexo. É ridículo e demonstra o nível de
insanidade do feminismo radical atual.
Como
você vai expor seu corpo para protestar contra a indústria do sexo se o que
você está fazendo é gerar excitação sexual? É maluco. Eu mostrei para meus
alunos o vídeo em que uma maluca do Femen agarrou o menino Jesus no presépio
do Vaticano e a polícia a agarrou e ela ficou gritando (risos). Achei tudo
muito divertido, mas fiquei com pena dos fiéis que estavam lá porque aquilo é
profanação para eles.
A
Marcha das Vadias é outra incoerência das meninas burguesas e universitárias
de hoje. Fui uma das feministas que levantou a bandeira pró-sexo nos anos 90,
mas essas manifestações estão equivocadas. Madonna expunha seu corpo ao mesmo
tempo em que assumia a responsabilidade de se defender. Você tem o direito de
se vestir como Madonna nas ruas às 3h da manhã e faz parte do comportamento
da mulher liberada fazer isso. Só que essa mulher tem que saber se defender.
Se
você vai provocar e usar roupas para demonstrar que está disponível
sexualmente, porque é isso o que você está fazendo. Está dizendo: sou uma
mulher que gosta de sexo e estou pronta para receber ofertas. Mesmo que as
mulheres demandem o controle masculino, sempre vai haver um psicótico ou um
criminoso que será impossível controlar. Não dá pra pedir para a sociedade a
proteger o tempo todo. Se você é uma mulher livre, você tem que aceitar que,
toda vez que se vestir de modo convidativo, está enviando uma mensagem e tem
de se defender se for necessário.
E
é claro que ninguém tem o direito de fazer nada com você, mas só uma idiota
acha que vai para as ruas de vestimentas provocativas sem correr o risco de
ser atacada, culpando o Estado por isso.
Uma pesquisa no Brasil apontou que 25% dos brasileiros
concordam que uma mulher vestida de forma provocativa merecia ser atacada.
Ninguém
merece ser atacada. Isso está totalmente errado. Ninguém tem o direito de
colocar as mãos no seu corpo sem permissão. O que essas pessoas devem estar
dizendo é que a vestimenta comunica uma mensagem e indica um nível de
disponibilidade sexual.
Eu
também acredito que roupas comunicam algo sobre você naquele momento. Roupas
são uma linguagem. As mulheres não entendem como os homens as enxergam com
determinadas roupas. Elas acham que estão se vestindo para elas mesmas, mas
precisam saber que há um perigo em se vestir de certas formas.
Eu
adoro exibição sexual, mas precisam saber que estão comunicando para uma
certa audiência. E não necessariamente se pode culpar os homens por
entenderem uma mensagem que, talvez inconscientemente, as mulheres estão
enviando. Por isso chamo o meu feminismo de safo ("street smart").
Por que você foi tão crítica ao ensaio fotográfico
recente em que Madonna aparece com os seios à mostra?
Madonna
é uma das figuras mais importantes da cultura pop e da cultura contemporânea.
Ela mudou o mundo com sua atitude. Até hoje seus vídeos antigos são grandes
obras de arte. Ela tornou possível para as mulheres assumirem o comando de
suas sexualidades. Ela nunca foi uma vítima. Ela sempre controlou a transação
entre homem e mulher. Ela era extremamente sexy, mas estava no controle da
situação.
Mas
acho que esse ensaio ficou feio, acho que ela está se repetindo. Nós já vimos
seu corpo no auge da forma e era magnífico. O que ela está fazendo agora? Por
que expor o corpo na sua idade em fotografias horrorosas? Sinto muito, mas
foi uma desgraça artística. Madonna não deveria estar competindo com mulheres
jovens, cujos corpos são belos. Marlene Dietrich, que é um modelo para
Madonna, nunca fez isso.
Você acha que mulheres mais maduras não devem mostrar o
corpo?
Se
você o mostra de um modo belo e sexy, ok. Mas aquelas fotos da Madonna eram
revoltantes. Era embaraçoso. Hediondo. Ela parecia uma prostituta decadente
que não sabe que está na sarjeta.
Madonna
é uma estrela global e não deveria se expor assim. Se você quer seduzir, há
outras formas de transmitir isso. Jeanne Moreau é sexy na idade dela sem
mostrar nada, e Catherine Deneuve, apesar de ter ganhado peso, continua sexy.
Não é digno de uma mulher de tantas conquistas se mostrar assim.
As
mulheres têm que superar o envelhecimento. Não dá para dizer que o corpo de
uma mulher de idade é tão bonito como o de uma jovem mulher. Não é! Os
hormônios não permitem, a pele fica fina, desidratada, etc. Temos de parar de
tentar glamurizar a beleza da mulher madura.
O
que precisamos é deixar as mulheres jovens dominarem o mundo da beleza e
buscar novos papéis para as mulheres mais velhas. Aquelas que são mães ganham
poder à medida que a idade avança e encontram novas colocações para si.
Precisamos aprender a mudar para o próximo estágio da vida. O que precisamos
é criar uma persona para as mulheres na cultura de hoje, e isso tem a ver com
desapegar de algo. Senão, elas só têm a perder. Como não há como congelar o
processo de envelhecimento, quanto mais as mulheres lutarem contra ele, mais
infelizes serão.
Folha sp
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