Antonio Martins
Garotos, chegam, na caçamba de uma caminhonete, para a prisão, no Rio. Decisão judicial evoca período da ditadura. Ao invocar Código Penal para “justificar” prisões no Rio, e alegar “defesa da coletividade” sem apresentar qualquer evidência clara, juiz expõe atraso da ordem jurídica brasileira
Neste sábado, dia 12 de julho, véspera do jogo final da Copa do Mundo no Maracanã, ao menos 17 manifestantes foram presos e dois menores foram apreendidos no Rio de Janeiro.
A sentença, proferida pelo Juízo da 27ª Vara Criminal da Comarca da Capital, utiliza como argumento para justificar as prisões de caráter cautelar a afirmação de que existem “sérios indícios de que está sendo planejada a realização de atos de extrema violência” e que a proteção à coletividade justificaria apelar para o artigo 288, parágrafo único, do Código Penal Brasileiro, que prevê pena de reclusão, para associação de três ou mais pessoas com o objetivo de cometer atos criminosos. (art. 288, caput, CP)
No entanto, o juiz que redigiu a sentença não especifica quais indícios justificam uma prisão cautelar. Na prática, nenhum. Trata-se de um típico caso de prisão política, porque essas pessoas representariam um “perigo” a ordem e à estabilidade em dia de encerramento da Copa do Mundo, quando atenções do mundo inteiro estarão voltadas para o Brasil. E não estamos em 1964.
Uma das primeiras reações de alguns setores da sociedade diante de arbitrariedades como estas, tem a ver com o depósito quase total de esperanças de uma política mais justa e igualitária na Constituição Federal. Porém, se formos analisar com mais afinco o contexto político brasileiro, podemos constatar que dizer se determinada prática é ou não Constitucional, na realidade é dizer pouco. Em outras palavras, não há Constituição democrática que se sustente - e é importante ressaltar que a Constituição brasileira atribui ao povo mecanismos escassos de participação e intervenção direta nas decisões políticas do país – com uma cultura jurídica e política essencialmente arbitrária e conservadora como a brasileira. A nossa democracia ainda é caracterizada pela violência institucional, sempre retomando o ranço ditatorial. Faz parte do protocolo institucional, especialmente em instituições como a Polícia Militar.
Em meio a uma cultura jurídica conservadora e hermética, que muito pouco comunica — visto que as construções jurídicas são pouco postas em debate na sociedade –, as leis muitas vezes são manipuladas de modo a transvestir práticas autoritárias. Alguns operadores do direito utilizam-se de uma expressão muito conhecida no campo do direito, o chamado “juízo de discricionariedade” para articular concepções morais e políticas em âmbito institucional, violando uma série de direitos constitucionais. É o caso da sentença que decide pela prisão cautelar dos manifestantes com base em suposições de um Juiz Criminal, destituídas de qualquer objetividade. Essa decisão, no entanto, não tem fundamento metafísico como uma interpretação literal pode sugerir. Do contrário: está muito bem articulada com os interesses políticos da Fifa no país sede da Copa do Mundo. O espetáculo da Fifa ainda não acabou, e deve-se assegurar que o encerramento da festa seja impecável. Não surpreende que o espetáculo seja preservado em prejuízo a direitos fundamentais da população. Direitos, por aqui, viraram moeda de troca desde o dia em que o Brasil foi eleito como país sede da Copa do Mundo de 2014; Direito Constitucional à moradia, à liberdade, à livre manifestação do pensamento, não estão na ordem do dia.
Destaco aqui o papel fundamental da mídia, na construção de estigmas como o tão conhecido “vândalo”. Converteu-se numa categoria alvo de extensas críticas por parte da sociedade, especialmente da classe média, alcançando o objetivo proposto: esconder as motivações que levaram as pessoas às ruas e principalmente a violência policial contra os manifestantes.
Ontem, pessoas foram presas arbitrariamente e a velha mídia brasileira permanece em seu silêncio absoluto de fidelidade a grupos econômicos e políticos que garantem seu quinhão de poder. Quando os responsáveis por esses grandes veículos de comunicação não optam pela omissão estratégica, manifestam-se de modo a estigmatizar e criminalizar os manifestantes, em grande escala, e deslegitimar as manifestações. Aqui, mantém-se a lógica do discurso conservador tendo sempre em vista o interesse na ordem e no poder econômico de grupos que as financiam e reproduzem seus lucros a despeito de qualquer concepção razoável de ética jornalística.
O resultado dessa síntese é uma opinião pública que em sua maioria realmente acredita que os manifestantes presos são vândalos e por isso a prisão é legítima em qualquer circunstância. Para estes, deixo a muito pertinente lembrança dos versos: “Primeiro levaram os negros / Mas não me importei com isso / Eu não era negro / Em seguida levaram alguns operários / Mas não me importei com isso / Eu também não era operário/Depois prenderam os miseráveis / Mas não me importei com isso/Porque eu não sou miserável (…) / Agora estão me levando / Mas já é tarde (…)”.
Despertai-vos, em tempo.
Bibliografia:
GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da identidade deteriorada. Editora Ltc , 4ª edição.
Código Penal Brasileiro disponível no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm.
Sentença Disponíel no link: https://fbcdn-sphotos-h-a.akamaihd.net/hphotos-ak-xpa1/v/t34.0-12/10505432_753119814730320_8006895323566681492_n.jpg?oh=ea8380fe42bee66db57ed7cf0b033c73&oe=53C406E4&__gda__=1405358322_ef6102e1745ae917743af7f2b1589176
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