Fúria irracional de parte da sociedade contra jogador colombiano convida a rever ímpeto tacanho da vingança punitiva – e a substituí-lo pela lógica da reparação
Por Gabriel Rocha Gaspar
Depois de um ano de apologias a linchamentos, do assassinato bárbaro de uma mulher no Guarujá, do Pelourinho do Aterro do Flamengo e a consequente ode ao justiçamento por uma apresentadora de TV, não tem nada de surpreendente o linchamento virtual do lateral colombiano Camilo Zuñiga. Como qualquer linchamento, ele é alheio a qualquer restrição jurídica, ética ou moral. Ele expõe o que temos de mais grotesco: racismo, apologias ao estupro, assassinato e por aí vai. Tudo em nome da punição.
A palavra punição deveria de ser excluída de qualquer texto jurídico, ludopédico ou não. Punição e justiça não só não são complementares, como são opostas. Quando se fala em punição, o preceito é vingativo. O que se quer é o sofrimento da pessoa que causou o mal.
Depois, é só uma questão de modular esse sofrimento. Ele pode ir da suspensão do jogador às ameaças de estupro a sua filhinha de três anos, como aconteceu ontem no Instagram oficial de Zuñiga. O princípio é o mesmo: punição, baseada em nossos instintos vingativos e moralistas. Só varia a modulação.
O que nossas leis em geral precisam, independentemente do futebol, é substituir este ímpeto punitivo pelo ideal de regeneração do delinquente e, consequentemente, do corpo social. Punir por punir não resolve o problema de ninguém.
É preciso que se comece a impor sanções de forma produtiva. Por exemplo: o juiz espanhol Carlos Velasco Carballo foi conivente com a violência no jogo desta sexta-feira. Não só da parte da Colômbia, mas do Brasil também. O que o Fernandinho bateu em James Rodriguez não foi brincadeira. E o próprio Zuñiga deveria ter sido expulso pela entrada criminosa no Hulk.
O lance da contusão do Neymar tem mais nuances. Se observarmos com calma, veremos que é normal os jogadores usarem o pé de apoio para saltar, projetando o joelho para frente. Isso sempre acontece… É imprudência, mas não é o tipo de jogada que se faz para quebrar o adversário. Quer quebrar, dá carrinho por trás, dá solada.
Voltando ao assunto, por que não se discute o uso da tecnologia para as jogadas violentas? A própria Fifa argumenta que isso tiraria a emoção dos jogos, em casos de lances polêmicos… Mas nos casos de violência, poderia servir para mudar a mentalidade punitiva em direção à regenerativa. Poderia ajudar a estabelecer Justiça dentro do período do jogo e evitar assim a judicialização do futebol.
Se um quarto árbitro tivesse acesso aos replays de lances de violência e pudesse recomendar expulsões ao juiz com base nessas imagens, poderíamos sancionar a equipe do infrator durante o jogo. Isso beneficiaria o time prejudicado e inibiria as ações violentas. O que interessaria então seria o benefício da vítima e não a punição ao agressor.
Há várias propostas de suspender o infrator durante todo o período de recuperação da vítima. Mas isso não muda a mentalidade punitiva. Outras sanções poderiam beneficiar diretamente a vítima ou, pelo menos, fazer o infrator restituir à sociedade o mal que causou. Repasse de parte do salário para alguma instituição ligada à vítima, por exemplo. Ou financiamento de pesquisa médica sobre o tipo de lesão que o outro jogador sofreu…
Mas algo que mudasse o foco da punição para a restituição. Enquanto defendermos que quem causa sofrimento deve sofrer, não podemos condenar quem discorda do grau de sofrimento que queremos impor ao transgressor. Uns defendem suspensão, outros defendem o massacre de toda a família do agressor, mas o princípio vingativo é o mesmo. No fundo, estupradores e legisladores concordam.
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