Reforma política
Antonio Delfim Netto
Quando se discute o grave problema da ameaça ao sistema democrático representado pelo financiamento privado das campanhas eleitorais é preciso considerar três fatos preliminares: 1º) não sabemos os efeitos do longo prazo do financiamento público; 2º) é necessário reduzir os seus crescentes custos, o que sugere a utilização de alguma forma de voto distrital, onde o pretendente, além de gastar menos, é submetido a um rígido controle moral e material e, talvez, à ameaça do "recall" e, 3º) é preciso eliminar o "spoil system", onde o vencedor leva as batatas: nomeia milhares de correligionários com competência duvidosa para empregos públicos transitórios.
Todos os partidos (mesmo os que se pensam "virtuosos") têm quadros permanentes que transferem para onde conquistam o poder (federal, estadual ou municipal). Criaram, assim, castas de funcionários flutuantes que, onde desembarcam, comprometem a eficiência, a qualidade e, frequentemente, a honestidade na prestação dos serviços públicos.
Uma leitura fundamental sobre as dificuldades de se construir uma administração pública competente e neutra é "Reforming Bureaucracy" (Knott, J. & Miller, G., 1987). O grande economista russo, Victor Polterovich, escreveu o verbete "Armadilhas Institucionais", do "Novo Dicionário de Economia Palgrave", inspirado nela. Não resisto à tentação de traduzir livremente um pequeno trecho para mostrar o eterno retorno:
"Encontram-se armadilhas institucionais na história de muitos países. Os EUA do século 19 é um exemplo. Entre 1815 e 1840 houve uma intensa modificação política. Deu-se, por exemplo, voto aos não-proprietários, o que é um objetivo saudável. As reformas democráticas tiveram, entretanto, consequências não antecipadas. As máquinas partidárias tornaram-se instrumento de enriquecimento efetivo de alguns de seus chefes. Estes alocavam posições no serviço público para os seus companheiros de campanha, sem nenhuma consideração quando à sua competência ou habilidade. Os trabalhadores de "colarinho branco" eram forçados a contribuir com uma percentagem dos seus salários (e talvez o amealhado na corrupção) para partido político que os nomeara".
O problema terminou quando, sobre a pressão da opinião pública, os escândalos foram explorados pela imprensa independente que sobrevivera.
Não há nada de novo sob o sol! Qualquer semelhança com a situação a que chegamos ano Brasil é, obviamente, pura imitação. O que nos resta é eliminar a atual trajetória eleitoral substituindo-a por um caminho moral, social e econômico mais eficiente para construir a sociedade civilizada ínsita na Constituição de 1988.
Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade de São Paulo. Escreve às quartas-feiras.
Folha SP
Quando se discute o grave problema da ameaça ao sistema democrático representado pelo financiamento privado das campanhas eleitorais é preciso considerar três fatos preliminares: 1º) não sabemos os efeitos do longo prazo do financiamento público; 2º) é necessário reduzir os seus crescentes custos, o que sugere a utilização de alguma forma de voto distrital, onde o pretendente, além de gastar menos, é submetido a um rígido controle moral e material e, talvez, à ameaça do "recall" e, 3º) é preciso eliminar o "spoil system", onde o vencedor leva as batatas: nomeia milhares de correligionários com competência duvidosa para empregos públicos transitórios.
Todos os partidos (mesmo os que se pensam "virtuosos") têm quadros permanentes que transferem para onde conquistam o poder (federal, estadual ou municipal). Criaram, assim, castas de funcionários flutuantes que, onde desembarcam, comprometem a eficiência, a qualidade e, frequentemente, a honestidade na prestação dos serviços públicos.
Uma leitura fundamental sobre as dificuldades de se construir uma administração pública competente e neutra é "Reforming Bureaucracy" (Knott, J. & Miller, G., 1987). O grande economista russo, Victor Polterovich, escreveu o verbete "Armadilhas Institucionais", do "Novo Dicionário de Economia Palgrave", inspirado nela. Não resisto à tentação de traduzir livremente um pequeno trecho para mostrar o eterno retorno:
"Encontram-se armadilhas institucionais na história de muitos países. Os EUA do século 19 é um exemplo. Entre 1815 e 1840 houve uma intensa modificação política. Deu-se, por exemplo, voto aos não-proprietários, o que é um objetivo saudável. As reformas democráticas tiveram, entretanto, consequências não antecipadas. As máquinas partidárias tornaram-se instrumento de enriquecimento efetivo de alguns de seus chefes. Estes alocavam posições no serviço público para os seus companheiros de campanha, sem nenhuma consideração quando à sua competência ou habilidade. Os trabalhadores de "colarinho branco" eram forçados a contribuir com uma percentagem dos seus salários (e talvez o amealhado na corrupção) para partido político que os nomeara".
O problema terminou quando, sobre a pressão da opinião pública, os escândalos foram explorados pela imprensa independente que sobrevivera.
Não há nada de novo sob o sol! Qualquer semelhança com a situação a que chegamos ano Brasil é, obviamente, pura imitação. O que nos resta é eliminar a atual trajetória eleitoral substituindo-a por um caminho moral, social e econômico mais eficiente para construir a sociedade civilizada ínsita na Constituição de 1988.
Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade de São Paulo. Escreve às quartas-feiras.
Folha SP
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