segunda-feira, 9 de junho de 2014
Pentecostes hoje: o Espírito que dá vida contra os hostis à vida
Leonardo Boff
A festa de Pentecostes deste ano a 8 de junho, nos cria a oportunidade de pensar sobre o significado do Espírito Santo com referência às ameaças atuais que pesam sobre a vida, e especialmente sobre a vida dos pobres deste mundo. As Escrituras dizem que “o Espírito é vida” (Rm 8,10). Afirmar que “o Espírito é vida” equivale a dizer que o Espírito está continuamente criando e dando suporte ao universo, à Mãe Terra e ao sistema-vida hoje ameaçado. O Espírito está do lado e dentro daqueles que menos vida têm. Grande parte da humanidade, especialmente na África, na Ásia e na América Latina vive num mundo estranho e hostil à vida. Há séculos são dominados por outras nações e suas terras lhes são roubadas para garantir o nível de consumo irrestrito das potências outrora colonizadoras e que nos dia atuais continuam recolonizando. Fizeram uma divisão mundial do trabalho: os países periféricos, economicamente pobres, mas ecologicamente ricos, são condenados a exportar “commodities” (bens naturais, grãos, minérios, água etc) geralmente sem valor agregado e os países ricos exportam-lhes tecnologia a preços altos, sem repassá-la para que lhes desse vantagens e autonomia.
A consequência é que todos estes explorados precisam fazer uma esforço gigantesco para sobreviver com um mínimo de recursos que lhes garantam uma vida minimamente decente. Eles vivem de resistência sem conhecer avanços libertadores.
Essa pobreza não é inocente. Vem produzida por um conjunto de relações sociais e econômicas profundamente desiguais que, ao criar riqueza para os já ricos, geram grande pobreza e injustiça para as grandes maiorias empobrecidas. Thomas Piketty em seu livro “O Capitalismo no século XXI” no fundo quer denunciar esta dinâmica, criadora de desigualdades. Daí a critica do campo capitalista que se vê desmascarado.
Situar-se dentro da vida do Espírito significa nesta situação empenhar-se pelo direito do pobre à vida real concreta e integral. Uma vida espiritual que se torna insensível à paixão dos pobres, é falsa e se faz surda aos apelos do Espírito. Por mais que os fiéis nos grandes espetáculos televisivos carismáticos, católicos e evangélicos, rezem, cantem, dancem e celebrem, sem uma atenção ao Espírito “Pai dos pobres” como se canta no hino da missa de Pentecostes, sua oração só produz autossatisfação mas não chega a Deus. Nela não está o Espírito com seus dons.
Bem o dizia um teólogo batista, vivendo com os pobres na Nicarágua, Jorge V. Pixley: “Se o Espírito Santo não dá vida a quem não tem vida, então seu poder vivificador é uma mentira; num mundo que forjou um Terceiro e Quarto mundo subhumanos, a vida espiritual tem sua meta na vida do pobre mais do que no atletismo moral dos crentes”( Vida no Espírito, Vozes 1997, 235).
A opção pelos pobres contra sua pobreza tem aqui sua justificação teológica. O Espírito está infalivelmente do lado dos pobres, independente de sua situação moral, porque são privados de vida e o Espírito quer lhes dar vida. Mas Ele não tem braços a não ser os nossos. Por isso nos impele a criar as condições de vida para esses empobrecidos e para os condenados a assistir à morte de seus filhos e filhas inocentes, por fome e em consequência de doenças da fome.
Viver na vida do Espírito implica lutar pelos meios da vida, pela saúde, pela terra para a produção, pela moradia, pelo saneamento básico, pelo transporte, pela segurança, pela educação mínima. Não foram essas as demandas das manifestações de 2013? Aí havia algo do Espírito. Não se pode ter verdadeiro amor à vida nem ser fiel aos sussurros do Espírito sem defender esta causa e saber sofrer por ela, no espírito das bem-aventuranças. Esta urgência não pode simplesmente ser relagada ao Estado e às suas políticas sociais. É um desafio a todos os humanos e muito mais aos que creem no Espírito de vida.
Estes que se comprometem em gerar vida e a geram, são também aqueles que têm mil razões para celebrá-la, cantá-la e sentir-se alegres, seja nas ritualizações que fazem das lutas (as assim chamadas “místicas” do Movimento dos Sem Terra, dos sem Teto, dos Movimentos de Muheres, dos catadores de materiais recicláveis), seja nas celebrações das comunidades eclesiais de base e nos grandes encontros.
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