Luciano Martins Costa
Por mais arriscado que seja fazer diagnósticos em situações de alta complexidade, pode-se afirmar que o motor da sucessão de tumultos que assola o Brasil desde o ano passado é a desinformação. Já se afirmou aqui que pior do que a mentira é a meia-verdade, e pode-se comprovar essa assertiva com a observação do processo pelo qual a imprensa brasileira tem contribuído para a construção do mau humor coletivo que vai se espalhando de forma avassaladora pela sociedade.
O processo é clássico e seu exemplo maior continua sendo a estratégia de comunicação que Joseph Goebbels (1897-1945) desenvolveu na Alemanha nos anos 1930 e que em uma década fez com que a insanidade de um pequeno grupo de ativistas contaminasse o país onde a modernidade havia plantado suas raízes no século anterior. No entanto, é preciso fazer uma retificação importante no paradigma central da propaganda nazista: a frase segundo a qual “uma mentira contada mil vezes torna-se verdade” ganha certa contemporaneidade se dissermos que “uma meia-verdade repetida duas vezes torna-se verdade”.
Se o leitor ou leitora afeto à visão crítica dos acontecimentos fizer uma visita ao noticiário dos últimos doze meses, vai observar que o estado de espírito negativo que contamina o Brasil não decorre de um efeito colateral do noticiário: é o propósito central da atividade da imprensa hegemônica. Certamente, há espaço suficiente nessa afirmação para a suspeita de que o observador pode estar sob influência de teorias conspiratórias, mas a leitura dos jornais nesse período indica claramente o desenvolvimento de uma campanha com objetivo de destruir a autoestima dos brasileiros.
Este observador foi conferir essa hipótese com uma fonte qualificada de um dos maiores jornais brasileiros, assentada em posição de mando na área comercial, e ouviu uma queixa surpreendente: disse o informante que a agenda negativa está prejudicando o próprio jornal, ao produzir um estado de pessimismo que desestimula os anunciantes.
O jornalismo praticado nas redações é nocivo ao negócio jornal. Não seria a primeira vez que a imprensa, como sistema corporativo, estaria agindo contra seus próprios interesses de longo prazo.
A desinformação como tática
Se a direção dos jornais considera apropriado cultivar uma crise social, com grandes riscos de detonar no rastro dela uma crise econômica, é porque entende que, se a tática for bem sucedida, haverá um ganho para o negócio no futuro próximo, com uma mudança radical no modelo econômico. Fora dessa possibilidade, resta a alternativa de pensar que a imprensa enlouqueceu.
Ora, atuar de forma nociva contra o modelo que ampliou o mercado interno e deu alento ao mercado publicitário só pode ser entendido como uma forma de suicídio, como apontou o executivo citado acima.
A disputa eleitoral em curso é considerada pela imprensa hegemônica do Brasil como “a mãe de todas as batalhas”, porque dela pode brotar o presidente ideal para os padrões das grandes empresas de comunicação. Mesmo que isso signifique reverter o avanço das conquistas sociais que se iniciaram com a estabilização da moeda, em 1994, e se consolidaram com as políticas oficiais de distribuição de renda, os jornais insistem nesse processo.
Ainda no perigoso atalho que corta as complexidades envolvidas nessa questão, pode-se afirmar que a imprensa, como sistema corporativo, já não faz jornalismo. Faz uma política menor, característica dos lobbies, exatamente igual à prática do “é dando que se recebe”, celebrizada pelo falecido deputado Roberto Cardoso Alves e formalmente condenada pela própria imprensa. Portanto, toda análise que se fizer daqui para frente precisa deixar claro que, ao se observar a imprensa, não se está necessariamente analisando o jornalismo.
Quando o sistema da comunicação abandona o pressuposto da objetividade para atuar como lobby, mesmo às custas de suas necessidades e interesses de longo prazo, pode-se dizer que houve uma ruptura entre jornalismo e imprensa.
O núcleo tático desse procedimento é a imposição de meias-verdades, que produzem a desinformação geral; a desinformação estimula protestos, crises, decisões equivocadas de investidores, e − o mais grave − descrença no sistema democrático, como aconteceu na Alemanha nazista.
Observatório da Imprensa
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