sexta-feira, 27 de junho de 2014

Barack Obama, o novo profeta do Destino Manifesto


Barack Obama confessou que acredita com cada fibra de seu ser no excepcionalismo de seu país sobre qualquer outra nação no mundo.

Gilberto López e Rivas

Na cerimônia de formatura da Academia Militar de West Point, no último dia 28 de maio, o presidente Barack Obama confessou que acredita com cada fibra de seu ser no excepcionalismo de seu país sobre qualquer outro no mundo e enfatizou, num exaltado discurso nacionalista, que os Estados Unidos “é e continua sendo a nação indispensável. Isso foi certo no século passado e será certo no próximo século”. Essa mentalidade abertamente imperial – que se assenta na crença quase religiosa de que os Estados Unidos constituem um Estado-nação escolhido e predestinado, com direitos e responsabilidades em âmbito planetário autorreferenciados e acima do marco jurídico internacional, estabelecido particularmente no último pós-guerra – se expandiu em outros dogmas e sofismas, transformados em políticas de Estado, igualmente reveladores: “A disposição dos Estados Unidos para aplicar a força em todo o mundo é a última salvaguarda contra o caos” (e o que acontece com o caos ocasionado pelo intervencionismo imperialista?)


“Os Estados Unidos devem sempre liderar no cenário internacional. Se não o fizermos, nenhum outro o fará. A força militar à qual vocês se incorporaram (refere-se aos oficiais da academia militar) é, e sempre será, a espinha dorsal dessa liderança”. E, caso tenha ficado alguma dúvida: “Os Estados Unidos usarão sua força militar unilateralmente, se necessário, quando nossos interesses básicos assim exigirem, quando nosso povo se sentir ameaçado, quando nossos meios de vida estejam em jogo, quando a segurança de nossos aliados esteja em perigo... A opinião internacional (e, eu acrescentaria, o direito internacional) importa, mas os Estados Unidos jamais devem pedir permissão para proteger nosso povo, a nossa pátria, a nossa maneira de viver”.


Essas ideias expressadas por Obama revelam a continuidade do pensamento da classe dirigente daquele país por mais de dois séculos.


O suposto direito de intervir militarmente quando e onde seus interesses assim requisitarem, a se expandir e conquistar territórios por qualquer meio, incluindo a guerra colonial (por certo, levada a cabo em 1898 contra a Espanha, apoderando-se de várias de suas colônias), a partir da justificativa de impor a povos e nações as leis e formas de governo consideradas “as melhores na terra” conformam a mentalidade das elites governantes desde o século XVIII. Naquela época, os Pais Fundadores da República, que acabara de se ver independente da Inglaterra, planejavam se apoderar de todo o continente. Jefferson acreditava em 1786 que a nascente confederação deveria se considerar “o ninho” por meio do qual “toda América, a do Norte e a do Sul, será povoada”, e o preocupava que a Espanha fosse tão frágil para manter seus domínios coloniais, “até que nossa população tenha avançado o suficiente para ganhar seu domínio palmo a palmo”.


A declaração de James Monroe em 1823 – baseada nas ideias de John Quincy Adams sintetizadas na frase “América para os americanos”, que rapidamente se transformou em “doutrina” para lhe dar seu ar de misticismo e outorgar alguma respeitabilidade – e a crença de que o “Destino Manifesto” constituem as formas ideológico-discursivas para indicar aos poderes coloniais da Europa que os Estados Unidos entravam, em igualdade de condições, na partilha colonial do mundo.


Nela, a América deveria ser considerada como campo livre de toda a ingerência europeia para benefício exclusivo dos norte-americanos. Além dessa renovação das crenças do povo escolhido, o profeta Obama, certamente com maior capacidade retórica e intelectual do que seu antecessor Bush, distorce a verdade histórica ou demonstra sua profunda ignorância na realidade contemporânea ao defender que:


“Os Estados Unidos tiveram a sabedoria de estabelecer instituições para manter a paz e apoiar o progresso humano – desde a OTAN até as Nações Unidas, desde o Banco Mundial até o FMI”. A iniciativa de fundar um novo organismo internacional foi discutida no final da Segunda Guerra Mundial pelas potências vencedoras, e a carta de criação da ONU foi assinada inicialmente por 51 estados. Por outro lado, a OTAN foi a própria expressão do militarismo, das provocações e das agressões bélicas norte-americanas e europeias, especialmente durante a Guerra Fria – muito longe da paz e do progresso humano.


Por sua vez, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional constituem as principais instituições da exploração financeira dos países capitalistas ao mundo subdesenvolvido, bem como a imposição da atual transnacionalização neoliberal em escala planetária.


Obama defende que um dos elementos da liderança de seu país é “sua disposição de atuar em nome da dignidade humana. O apoio dos Estados Unidos à democracia e aos direitos humanos vai além do idealismo, é um assunto de segurança nacional”. E, nesse sentido, lembra “que, devido aos esforços dos Estados Unidos, devido à diplomacia dos Estados Unidos e à ajuda ao exterior, assim como ao sacrifício de nossos militares, mais gente vive hoje com governos eleitos, mais do que em nenhum outro momento da história humana”.


O Iraque é um dos exemplos mais recentes e notáveis dessa disposição de atuar em nome da dignidade humana e, sobretudo, dos sacrifícios dos militares norte-americanos: um país devastado, com toda a infraestrutura sanitária, de saúde e educação destruída; com mais de um milhão de motos; 4 milhões e meio de desalojados e refugiados; 5 milhões de órfãos; mais de 8 milhões que requerem ajuda humanitária; 70% da população não dispõe de água potável; e um país imerso no caos de uma guerra confessional propiciada pela potência ocupante.


Parafraseando Simón Bolívar: “Os Estados Unidos parecem destinados pela Providência a infestar o mundo com misérias e morte em nome da liberdade”.



Tradução: Daniella Cambaúva

Carta Maior

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