Passada cobertura “espetacular” da tragédia, dois fatos fundamentais permanecem ocultos: enorme mortalidade da construção civil e promiscuidade da Odebrecht com poder
Por João Marcos Previattelli e Paulo Motoryn, na Revista Vaidapé
A morte de dois funcionários na construção do Itaquerão, estádio do Corinthians, que será utilizado na abertura da Copa do Mundo de 2014, causou comoção nos grandes meios de comunicação. O choro do cartola Andrés Sanchez foi trágico, mas tinha um quê de satírico: o ritmo incessante das obras imposto pela Fifa, através de prazos rígidos, tinha a conivência do clube e também da construtora, no caso, a Odebrecht.
A retomada das obras, pouquíssimos dias depois da morte do motorista e operador Fábio Luiz Pereira e do montador Ronaldo Oliveira dos Santos, é o ponto final da cobertura da mídia sobre o caso: uma verdadeira nuvem de fumaça, que dura no máximo algumas semanas, rodeando sem dizer, lamentando sem denunciar.
Parte envolvida diretamente na tragédia, a Odebrecht foi encarregada pelo Itaquerão após uma articulação na alta cúpula da política institucional brasileira. Além disso, é a maior beneficiada com as obras da Copa, tendo um custo total de R$ 2,8 bilhões pela construção do Maracanã, Fonte Nova e Arena Pernambuco, além do estádio do Corinthians.
A empresa é uma das grandes financiadoras de campanhas eleitorais – sem qualquer critério ideológico –, o que faz não soar tão estranho o fato de a Odebrecht ser também uma das grandes vencedoras de licitações públicas na área da construção civil. As doações feitas pelas diferentes empresas do grupo nas eleições de 2012 passam os R$ 19 milhões.
Às claras, a construtora baiana saiu ilesa em uma operação bem orquestrada pelas grandes empresas de assessoria de imprensa, tendo em vista a promíscua relação existente entre elas e a redação dos grandes veículos. A dramática e pouco enfática cobertura da morte de Fábio e Ronaldo escondeu uma estatística pouco explorada na mídia: em 2012, segundo a Previdência, mais de um trabalhador da construção morreu por dia no país.
Acidentes?
Mesmo com suas poderosas consultorias de mídias sociais e assessorias de imprensa silenciando denúncias de mortes em obras da construtora e qualquer informação negativa, é possível relembrar acidentes semelhantes envolvendo a Odebrecht, em uma pesquisa rápida, o que reflete a terrível recorrência dos casos.
Em 18 de dezembro de 2010, na construção da Ferrovia Transnordestina, em Paulistana, no Piauí, uma pilastra desabou quando operários trabalhavam a 40 metros do chão. Além dos 11 feridos, o acidente matou duas pessoas. Em nota, a empresa lamentou.
Em 4 de novembro de 2011, no Terminal Marítimo da Vale do Rio Doce, em Ponta Madeira, no Maranhão, o acidente aconteceu durante a concretagem de uma viga. Três funcionários da empresa ficaram feridos e duas pessoas morreram. Em nota, a empresa lamentou.
Em 19 de janeiro de 2007, na Linha 4 do Metrô, em São Paulo, o acidente no buraco de acesso às obras foi o maior na história do transporte paulista. O buraco dobrou de tamanho em apenas dois minutos após um desabamento. Sete pessoas morreram e 230 ficaram desabrigadas pelo risco de mais desmoronamento. Em nota, a empresa lamentou.
No exterior…
Odebrecht entrou em atrito com Rafael Correa
Como se não bastasse, a empresa foi expulsa do Equador em 2008. A decisão foi tomada pelo presidente Rafael Correa após a empresa construir a Hidrelétrica de San Francisco. A obra foi classificada como um “desleixo”.
Em 23 de novembro de 2011, no Peru, a Odebrecht foi obrigada a paralisar as obras na hidrelétrica Tambo 40 após uma interferência na reserva indígena de Ashaninka.
Ficha suja
No site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é possível verificar que a milionária Odebrecht deve mais de R$ 1 milhão aos cofres públicos. Mesmo com essa dívida, continua a ter acesso ao financiamento público, através do BNDES – além de recorrentemente ser a “número 1” das licitações para obras públicas.
A empresa também consta na lista de devedores de IPTU em São Paulo. Há pelo menos 10 imóveis pendentes na lista da empreiteira, mas os valores não são divulgados.
A Odebrecht também é investigada e questionada pelo Ministério Público Federal em outros casos, como na quantia gasta na reforma do estádio Fonte Nova, na Bahia, onde foram investidos R$1,6 bilhões.
O superfaturamento envolvendo a empresa é investigado em outra obra na Bahia. A construção do metrô de Salvador segue desde 1997. São incríveis 16 anos e as previsões não são otimistas: o metrô nem sequer ficará pronto para a Copa do Mundo.
Mais uma investigação que também corre em sigilo envolve a maior estatal do país.O Ministério Público investiga um contrato milionário de prestação de serviços pela Odebrecht à Petrobrás: há denuncias de superfaturamento.
Os exemplos não param por aí: envolvem obras públicas, parcerias públicas-pivadas (PPP), investimentos privados, especulação no mercado imobiliário. Os casos são, na medida do negociável, divulgados na mídia tradicional. Mas são e na atual lógica sempre serão invisíveis aos órgãos competentes.
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