por Kanya D’Almeida, da IPS
Embora apenas 50,3% das crianças na Filadélfia sejam negras, estas representam 73% das que são enviadas para os serviços de proteção à infância.
Filadélfia, Estados Unidos, 11/12/2013 – É quase impossível que os noticiários diários não apresentem casos de discriminação racial institucionalizada nos Estados Unidos. Em comparação com a população branca, há abundância de evidências de uma quantidade desproporcional de norte-americanos negros nas prisões, submetidos à brutalidade policial, excluídos das oportunidades de emprego ou sem acesso a um atendimento sanitário decente.
Porém, uma agência do governo escapa do escrutínio público. Tem diferentes nomes em diferentes lugares: Serviços de Proteção à Infância, Departamento de Serviços para a Juventude e a Família, ou Departamento de Serviços para a Infância e a Família. Na cidade de Filadélfia, no Estado da Pensilvânia, é conhecida como Departamento de Serviços Humanos (DSH) e, segundo afirma a própria repartição, a cada ano atende e retira “de sua família” aproximadamente três mil meninas e meninos desta cidade de 1,5 milhão de habitantes.
Segundo Todd Lloyd, diretor de políticas de bem-estar infantil da organização sem fins lucrativos Pennsylvania Partnerships for Children, “os últimos dados mostram que 9.205 crianças chegaram a abrigos de guarda nesse Estado e 71,7% o fizeram pela primeira vez. Lloyd disse à IPS que o condado da Filadélfia tem a maior proporção de crianças nessa situação em todo o Estado: 14 em cada mil menores são levados para sistemas de albergues fora de suas famílias de origem a cada ano, o que representa o dobro da taxa nacional, de 6,4% para cada mil crianças.
A Coalizão Nacional para a Reforma da Proteção Infantil informa que o DSH da Filadélfia retira as crianças de suas famílias biológicas a uma taxa seis vezes superior à de outras cidades do mesmo tamanho. Não é só a quantidade destas práticas que preocupa as famílias na Filadélfia, mas a desigualdade racial que impera em todo o sistema de bem-estar infantil. Estudos mostram que apenas 50,3% das crianças da Filadélfia são negras, mas estas constituem 73% de todos que são levados para lares de acolhida.
Os funcionários rechaçam a crítica com uma só explicação: a pobreza. Segundo pesquisa feita este ano pela consultoria Pew, 39% da população negra da Filadélfia é pobre, uma porcentagem que em nível nacional só é superada pela cidade de Detroit, no Estado de Michigan. Para retirar uma criança de sua família, a lei federal estabelece que os escritórios de serviços humanos devem antes obter provas de negligência, maus-tratos ou abuso.
Os críticos a essa lei alertam que se trata de um beco sem saída para as famílias de baixa renda. Por exemplo, na definição de negligência do Estado da Pensilvânia figura não proporcionar cuidados essenciais para a vida, “incluída atenção médica adequada, o que coloca em perigo a vida ou o desenvolvimento de uma criança ou incapacita seu funcionamento”. Em síntese, uma perfeita definição de pobreza.
Segundo o diretor-executivo da Coalizão Nacional para a Reforma da Proteção Infantil, Richard Wexler, a correlação entre pobreza e negligência está tão generalizada que “30% das crianças que estão em lares de acolhida nos Estados Unidos poderiam estar com suas famílias biológicas se seus pais tivessem moradia decente”.
Agências de proteção à infância, como o DSH da Filadélfia (que se negou a responder o pedido de declarações sobre o assunto feito pela IPS), dizem que a vasta maioria das crianças separadas de suas famílias foi vítima de maus-tratos, segundo o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Contudo, ao aprofundar o assunto, a Coalizão descobriu que “2,8 milhões dessas crianças – quase quatro quintos delas – foram objeto de informes falsos” ou infundados.
Não se pode negar que os maus-tratos a crianças são uma realidade em muitas famílias. Segundo Lloyd, o estudo anual mais recente sobre esse flagelo, divulgado pelo Departamento de Bem-Estar Público da Pensilvânia, encontrou 3.408 registros “justificados” de maus-tratos infantis em 2011.
Mas ativistas que trabalham com famílias cujos filhos lhes foram tirados afirmam que é preciso examinar com cuidado esses dados, no contexto da discriminação racial, e acrescentam que vários estudos mostram que crianças com ferimentos similares têm três vezes mais probabilidades de serem informadas ao DSH da Filadélfia se a família é afrodescendente ou latino-americana.
Phoebe Jones, integrante do DSH – Devolva Nossos Filhos, uma organização de autoajuda com sede na Filadélfia e coordenada pela Rede Cada Mãe é uma Mãe que Trabalha, apontou à IPS que os lares de acolhida nesta cidade ficaram notórios por seus abusos. “Em geral, as crianças estão pior” com as famílias de acolhida, assegurou Jones, apoiada em vários estudos que documentaram maus-tratos entre um terço e um quarto dessas famílias substitutas. “Os antecedentes de lares coletivos e institucionais são ainda piores”, acrescentou.
No começo deste ano, dezenas de famílias – particularmente mães, tias e avós – manifestaram sua indignação quando a Organização das Nações Unidas (ONU) concedeu seu Prêmio ao Serviço Público ao DSH da Filadélfia, por seus esforços para “melhorar a situação das crianças em lares de acolhida”.
Em um comunicado de imprensa divulgado em junho, Jones declarou que “o DSH está destruindo as famílias desta cidade. Queremos saber por que a ONU concedeu esse prêmio sem consultar as famílias da Filadélfia. Por acaso, decidiram essa honra em consultas com funcionários durante coquetéis? Nunca os ouvimos consultar as pessoas comuns afetadas”.
Envolverde
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