sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Envelhecimento da população no Brasil: os novos velhos


O Brasil vive um processo de prolongamento da expectativa de vida. De onde sairão os recursos para garantir qualidade de vida aos idosos?

Léa Maria Aarão Reis (*)

O ano termina com notícias mais positivas para os idosos brasileiros. Depois de décadas de descaso, omissão e silêncio por parte do Estado, principalmente sobre a população pobre de mais idade, o Estatuto do Idoso, que completou dez anos em 2013, veio dispor na forma da Lei n. 10 741 diversas obrigações e prioridades relacionadas aos cidadãos com mais de 60 anos.

Lamentável é ver o Estatuto desrespeitado pela própria justiça, há pouco tempo, pelos mesmos funcionários que devem cumpri-la. Pretensos guardiães da lei, funcionários de serviço público discriminaram e negaram atendimento prioritário devido por motivo de idade, como reza o Estatuto, ao ex-ministro José Dirceu. A defesa do dirigente petista invocou a Lei 10 741 para que seu cliente fosse (ou não) autorizado, com mais rapidez, a trabalhar fora da penitenciária onde continua indevidamente encerrado em regime fechado. Deve-se levar em conta que esse era um caso de repercussão nacional.

Por um lado, em casos semelhantes ao de Dirceu, o Estatuto não é reconhecido, recebe tratamento condescendente e até irônico da mídia conservadora, e não é fiscalizado no seu cumprimento; e embora seja objeto de elogio por parte de governos de outros países onde é visto como documento avançado (como o Estatuto das Cidades, que, com frequência é desrespeitado e desacreditado). Por outro, a Lei 10 741 pretende reforçar a rede pública de proteção aos idosos, contabiliza sucesso na execução dos seus direitos culturais e de entretenimento, e relativa efetividade no transporte coletivo (gratuidade) onde ainda é descumprido sem qualquer punição aos infratores, as cooperativas de transportes das grandes cidades.

Alguns ônibus montados em carrocerias de caminhões ainda hoje circulam, dificultando ou impedindo acesso aos idosos por causa de sua altura. Muitas vezes, esses mais velhos aguardam os motoristas se dignarem a se deterem, nas paradas, para embarcá-los. É uma situação da vida cotidiana que desrespeita a mobilidade dos mais velhos e envergonha uma sociedade que se pretende civilizada.

Espera-se que o Compromisso para o Envelhecimento Ativo, assinado pela presidenta Dilma Rousseff em setembro passado, seja também mais um dispositivo legal a fortalecer a teia de assistência pública aos maiores de 60 anos, ampliando políticas sociais. Ele procura implantar ambientes favoráveis aos velhos, tenta dinamizar conselhos estaduais e municipais que trabalham sobre o tema e de cujas ações concretas quase não se têm notícia. Como funcionam esses conselhos?

Os objetivos do Compromisso procuram validar, definitivamente, direitos dos idosos; apoiar de modo concreto a assistência aos velhos dentro das famílias; garantir um atendimento digno na rede de saúde pública e, na medida do possível, propiciar a autonomia estendida a estes cidadãos, visto que a longevidade é mais acelerada no segmento da população a partir dos 80 anos.

Um dos pontos contemplados pelo Compromisso é a capacitação, educação e formação de cuidadores profissionais trabalhando em regime de assistência domiciliar, sistema exemplar na França, o país com a população mais velha do ocidente. Lá, a expectativa de vida para as mulheres se ampliou para 85 anos, segundo o censo de dois anos atrás, e para os homens, 78.

Com a presença de cuidadores capacitados pelo Estado, a assistência domiciliar aos idosos será menos onerosa, mais humana e confortável na última fase da vida. Deste modo, eles poderão ou não ser encaminhados para as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) que, por sinal, no caso dos abrigos públicos, se encontram superlotadas. Autênticos hotéis cinco estrelas, as clínicas particulares são dispendiosas e destinadas à alta classe média e à chamada velhice dourada.

Atualmente, no Brasil, há 3548 Instituições de Longa Permanência para Idosos. Delas, 218 são instituições públicas – municipais, estaduais e federais -, com 109 mil leitos dos quais 84 mil estão ocupados.

Outro aspecto complexo relacionado à expectativa de vida estendida é o cuidado de pais octogenários e nonagenários por parte de filhos também idosos, com mais de 60 anos de idade. Isso ocorre com frequência em milhares de famílias no Japão, país campeão de longevidade mundial, onde a taxa de população mais velha é a maior do planeta: 23% dos japoneses têm mais de 65 anos. Numa população de 120 milhões de habitantes, 18 mil indivíduos são centenários.

A bomba demográfica é outra face do envelhecimento das populações. No oriente, as taxas de nascimento explodem. Exceção de Japão e China – com mudanças este ano na política do filho único para atender e suprir o aumento de mão de obra –, e ao contrário do que ocorre no ocidente envelhecido, no oriente não se conhece a taxa de reposição populacional como neste lado do mundo: cada casal gerando dois filhos para repor a sua existência. No oriente, as populações crescem aceleradamente com objetivo político. Os jovens são uma arma poderosa.

Populações estagnadas, como ocorre na França e na Itália, apresentam o novo desenho retangular para a antiga pirâmide populacional. Na Alemanha, as projeções apontam o fato de que para cada duas meninas nascidas lá hoje, uma chegará aos cem anos.

O envelhecimento das populações não é novidade, mas aqui ainda não é uma questão discutida com prioridade pela sociedade cuja cultura predominante é a da busca obsessiva da juventude eterna, a cultura do corpo e da cirurgia plástica. Na França, ano passado, mais de mil artigos e reportagens sobre a velhice foram publicados nos jornais. A mídia conservadora daqui aborda o assunto de modo simplista, infantiliza os velhos e repisa chavões ridículos: nova idade, feliz idade, melhor idade, senhorzinho, senhorinha,tio, tia e por aí vai.

A questão do envelhecimento do país exige providências inéditas e urgentes. Criar e destinar fontes de grandes volumes de recursos para a proteção desses ‘novos velhos’ brasileiros os quais, com o avanço da tecnologia, ganham mais 20/ 30 anos de vida. A questão central não é o prolongamento da expectativa de vida. É a qualidade da vida nesses 20/30 anos a mais de existência que se tem e o acesso às novas tecnologias por parte das classes populares. De onde sairão os recursos para garantir qualidade de vida aos idosos? Como encarar o desafio de investir na velhice, mas também, na outra ponta, o necessário para as crianças - os dois segmentos mais vulneráveis de uma população?

Cirurgias plásticas à parte, não se pode mais ignorar o envelhecimento populacional no Brasil. O país está inserido no processo acelerado do envelhecimento global e este é um item prioritário assim como é o combate à pobreza, à miseria, à fome e à ignorancia, o aquecimento global, os eventos climáticos extremos mais amiúdes, e a violência individual e de massa.

Dez anos atrás, projeções oficiais indicavam uma população de 20 milhões de indivíduos idosos em 2020. Hoje, sete anos antes da data prevista, o país contabiliza perto de 24 milhões de cidadãos com mais de 60 anos. São indivíduos que de algum modo, mesmo modestamente, pouco a pouco estão sendo absorvidos pela onda de inclusão social que varre o país. Os idosos ajudam a movimentar a economia continuando a trabalhar, mesmo os oficialmente aposentados - e até por necessidade financeira. Eles produzem, votam, atuam, influenciam, circulam, viajam, decidem, participam e consomem uma gama cada vez maior de produtos e serviços, o que não ocorria no passado.

A Tábua de Mortalidade do IBGE deste ano registra aumento de expectativa de vida de 74,6 anos para ambos os sexos. Um acréscimo de cinco meses e 12 dias em relação ao valor estimado para 2011. Para os homens, mais quatro meses e dez dias, passando de 70,6 anos para 71. As mulheres ganharam mais: de 77,7 em 2011 passaram, ano passado, para uma expectativa de 78,3 anos.

Estamos nos aproximando das taxas europeias de envelhecimento populacional. Com uma diferença: o país envelhece antes de se tornar rico. Os países centrais envelheceram depois de conhecerem a prosperidade do estado de bem estar social. Como observou a Ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, na sua entrevista a Carta Maior: o processo europeu de transição de uma população jovem que viveu o estouro dos baby boomers do segundo pós-guerra e desembarcou no quadro envelhecido atual levou praticamente um século. Aqui, estamos vivendo a mesma experiência em apenas uma geração.

(*) Jornalista e carioca, Léa Maria Aarão Reis é autora de 'Novos velhos – Viver e envelhecer bem',

Carta Maior

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