Francisco Bosco
O acontecimento político mais importante para a história recente do Brasil foi a eleição de Lula para presidente, em 2002. Não preciso lembrar aqui as consequências sociais positivas desse fato; elas foram sólidas o suficiente para garantir a continuação do projeto até hoje. Mas é preciso lembrar o que custou de resignação ao país esse projeto. Sob alguns aspectos, o lulo-petismo tem sido a continuação da modernização conservadora do Brasil. Já sabemos as virtudes e os limites desse projeto.
Marcelo Freixo, candidato a prefeito do Rio, representa a possibilidade de avançar lá onde o projeto lulo-petista, por suas características estruturais, não pôde e não poderá fazê-lo.
O preço que a profunda reforma do governo PT cobrou à sociedade brasileira é alto: nada menos que a resignação à política como atividade em larga medida suja, feita de alianças oportunistas, em nome de interesses de grupos particulares, feita também de práticas ilícitas, tudo em nome da famigerada governabilidade, que é apenas um eufemismo para chantagem. Eu votei nesse projeto; pareceu-me, e continuo pensando assim, que era o melhor que se poderia realizar nas condições históricas daquele momento. E muito se fez. Mas é hora de dar um passo à frente.
Freixo representa a chance de uma transformação radical da mentalidade política não apenas do Rio, como do país. Sua proposta, no fundo, é bem simples: fazer política de verdade, isto é, orientada por interesses republicanos, e não pela manutenção dos privilégios dos eternos donos do poder. Isso significa refundar a política em todos os seus níveis, da campanha à prestação de contas. Para Freixo, o financiamento de campanhas deve ser público e transparente (pois, como lembra o deputado federal Chico Alencar, “não é da natureza das empresas fazer doações, e sim investimentos”); as alianças partidárias, orientadas por princípios ideológicos (ele já recusou de antemão o eventual apoio dos patéticos Garotinhos); e, principalmente, as decisões de sua gestão deverão ser orientadas no sentido da justiça social e da garantia de cidadania aos desprotegidos.
Uma candidatura assim, se vence uma eleição, tem um efeito análogo ao da lei da ficha limpa, só que em sentido positivo. Enquanto a lei da ficha limpa impede os políticos infratores da lei de se candidatar, colocando um freio na política tradicional à brasileira, uma eventual vitória de Freixo provaria que é possível fazer política verdadeira no país. Se isso acontecer, o argumento resignado que sustenta as alianças espúrias sofrerá um forte abalo. Muitos cidadãos de espírito republicano, hoje desencorajados pela sujeira da política nacional, poderiam se engajar na política institucional. E o que hoje parece utópico — que a política no Brasil não seja um negócio de canalhas — provaria ser realizável.
Alguém a essa altura dos meus argumentos poderia evocar a repetida objeção: “Mas você está falando de ideias e princípios; política é feita de ações concretas. Que experiência administrativa tem o Freixo?” Essa objeção tornou-se inaceitável depois de Lula, sobre quem ela incidia com força. Mas a melhor resposta a ela tem sido dada pelo próprio Freixo: é preciso sempre desmascarar esse discurso do gerente, pois ele pressupõe uma oposição entre política e administração, ideologia e práxis, enquanto na verdade toda e qualquer ação administrativa é politicamente orientada. Não existe essa figura do gerente não ideológico. Concretamente falando, essa figura apenas perpetua a situação presente. Qualquer pessoa inteligente tem capacidade administrativa (basta delegar as funções para as pessoas tecnicamente competentes para desempenhá-las) — o que distingue os políticos é a política, ou seja, de que valores suas ações estarão a serviço.
Vim falando em termos nacionais porque penso ser essa eleição do Rio a mais importante do país, aquela que apresenta uma alternativa real num momento decisivo. No contexto da política carioca, a dobradinha Paes-Cabral também já mostrou seus limites; é hora de trocar o modelo de cidade-butique, de megaeventos, que pode se tornar megaexcludente, por um projeto que não faça da população de baixa renda moeda de troca barata, a ser “realocada”, “desapropriada” ou convidada a se retirar pela gentrificação.
Se um homem como Freixo vence as eleições, fica provado que não somos obrigados a andar um passo para trás a fim de dar outro à frente; não somos obrigados a engolir os velhos crápulas da velha política em nome da governabilidade. Seria uma mudança, sem precedentes, da mentalidade política. O Rio tem a chance de iluminar o país. Não a desperdicemos.
Clube Metafísico
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