Maria Aparecida de Morais Silva
Em 1977, ao prefaciar Elegia para uma re(li)gião, o professor Francisco de Oliveira, em sua arguta análise, utiliza o termo nordesterrados com o intuito de revelar não apenas as circunstâncias históricas, geográficas, políticas e sociais da "região" Nordeste, como também para (re)significar a vida cigana de vaivéns constantes de milhares de pessoas que se deslocam, sobretudo, para a "região" Sudeste do país.
Acompanhando a história do desenvolvimento do capitalismo em São Paulo, observa-se que, desde o final da escravidão, houve a presença de trabalhadores migrantes do Nordeste, chamados nacionais, para diferenciá-los dos estrangeiros --italianos, espanhóis, alemães, japoneses, dentre outros.
Enquanto estes últimos eram empregados como colonos nas fazendas cafeeiras, os primeiros desempenhavam as perigosas tarefas de "limpeza" do terreno, isto é, derrubada das matas naturais e matança dos povos indígenas, primeiros habitantes do território paulista.
Assim, se consubstanciou o processo de formação das fazendas cafeeiras nas primeiras décadas do século 20. Na sequência, os nacionais foram contratados como camaradas --trabalhadores avulsos-- que realizavam outros serviços, como roçada de mato, construção de cercas etc.
Com o surgimento das grandes usinas sucroalcooleiras, nos finais de 1950, em virtude do declínio sucessivo das fazendas de café e do colonato, intensifica-se a demanda de força de trabalho, principalmente, para o corte manual da cana de açúcar.
A partir de então, milhares de nordestinos, além dos mineiros do Vale do Jequitinhonha, aportam-se aos canaviais paulistas, na condição de migrantes temporários. Após o final da safra, regressam aos seus lugares de origem, para, no ano seguinte, reiniciarem a mesma caminhada.
Esse vaivém de centenas de milhares de pessoas, durante mais de 60 anos, caracteriza-se pelo processo de migrações permanentemente temporárias. São eternos migrantes, ciganos e desterrados.
Nos últimos anos, em razão da intensificação da mecanização do corte da cana, tem havido mudanças dessas rotas migratórias. Quem não consegue trabalho nas usinas paulistas dirige-se a outros Estados ou à construção civil.
Sem sombra de dúvidas, nos períodos de seca agrava-se a situação econômica, mormente, dos camponeses que ainda possuem pequenos lotes de terra no semiárido nordestino. A saída é um verdadeiro êxodo em busca da sobrevivência. No entanto, não é a natureza a responsável pela partida/fuga, e sim as condições históricas e estruturais dessa "região" pobre que alimenta a riqueza da outra "região". Por mais de um século, os severinos aqui chegam e daqui partem.
Folha de São Paulo
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