Candido Mendes
A derrota do Partido Socialista espanhol é muito mais que acidente de percurso, é um réquiem para a esquerda europeia. Cai o governo que, desde 2004, derrubara o regime de Astiz, visto, então, como a mais decidida implantação de uma direita no continente. A vitória de Rajoy surge como a torna do sistema, com toda carga ideológica da mantença do modelo capitalista, inclusive em etapa de crise geral do que se via, há uma quarentena, como a mola do mundo e da prosperidade ocidental.
O centrismo de Merkel e de Sarkozy indica a sua exaustão, no impasse entre a saturação fiscal e qualquer veleidade de crescimento do aparelho de Estado, no antigo ideal das esquerdas contemporâneas. E é do próprio cerne do capitalismo que vem, hoje, o recado das praças, levando ao plano moral a intolerabilidade com os ganhos de Wall Street e com a imperturbável concentração de renda da finança dos Estados Unidos. Seria impensável, ainda, há uma década, que o maior capitalista americano, Warren Buffett, exatamente a bem da sobrevivência do regime, propusesse, como agora, um imediato e dramático aumento de impostos, numa iniciativa apoiada por muitos dos senhores do dinheiro.
Na antevisão da gravidade do impasse, a economia alemã já começa uma política malthusiana de redução drástica da imigração, a que não faltou a denúncia de um confronto de etnias, na paralisia, sobretudo, da vinda de mão de obra árabe ao continente. E na interrogação de cúpula vem a crítica ao governo de Zapatero, de não ter realizado uma política, intrinsecamente, de aumento da produtividade do trabalho, frente à do capital, no aumento do PNB espanhol. Mas o que mais inquieta, depois da vitória da direita, é a radical ausência de propostas de Rajoy, que não as das estritas tornas à ortodoxia de há uma década. De toda forma, não serão os mesmos problemas da ultradireita americana que darão satisfação à demanda dos seus eleitores, do retrocesso do casamento gay às condenações do aborto. O sucessor de Zapatero, Rubalcaba, parece ir, agora, com volúpia à oposição. E, quem sabe, aí, aprender a lição tardia do que não fez o Partido Socialista no confronto com o próprio modelo, implantando, enquanto havia tempo, um estatismo social-democrata.
Candido Mendes, cientista político, é membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira Justiça e Paz
Nenhum comentário:
Postar um comentário