quarta-feira, 9 de março de 2016

O pretexto é a corrupção. Mas o ódio contra o PT é por causa da inclusão social


Crise no Brasil vista por jornalistas e intelectuais brasileiros

Paulo Portugal

Pedimos a vários jornalistas e intelectuais brasileiros para partilharem connosco a sua visão pessoal sobre o que se está a passar com Lula da Silva. Chamar-lhe ‘Lula-gate’ pode ser uma força de expressão, e foi a que nos ocorreu para descrever a força arremessada pela justiça.

Pelas ondas de choque provocadas e pela campanha em alguns órgãos de comunicação, que logo foi refutada por uma onda de protestos, decidimos auscultar aqueles que estão habituados a lidar com a comunicação e a informação, para perceber os contornos de um dos momentos mais tensos da política e da sociedade brasileira.


Curiosamente, uma das primeiras reacções foi que a popularidade de Lula da Silva subiu para os 87%, na sondagem encomendada pela Confederação Nacional da Indústria e publicada no Jornal Globo.

Diante destes elementos, o Jornal TORNADO procurou auscultar alguns sectores da cultura e da imprensa brasileira e recolher os seus pareceres espontâneos que publicamos na íntegra.

Testemunhos recolhidos por Paulo Portugal
“Não via tanta tensão social no Brasil desde a época da ditadura”
Não via tanta tensão social no Brasil desde a época da ditadura (1964-1985). De um lado, há um governo fraco, incapaz de domar a crise econômica e se articular politicamente; de outro, uma oposição sem projetos, inconformada por ter perdido a última eleição, aposta tudo na desestabilização do governo.

Dilma Rousseff não tem a confiança das elites econômicas, empresariais e da mídia. Por outro lado, ao propor um ajuste econômico neoliberal, perdeu a confiança das classes trabalhadoras e dos desfavorecidos, que a levaram ao segundo mandato em 2014.

Alimentando toda a fogueira, há a Operação Lava-Jato, que apura crimes de corrupção na Petrobras e se assemelha à Operação Mãos Limpas da Itália. Tem o potencial de desmantelar todo o sistema político-partidário do país, mas, por enquanto, concentra-se apenas no Partido dos Trabalhadores (PT), o que vem alimentando acusações de ter politizado seu trabalho de apuração.

A “condução coercitiva” de Lula para depor teve valor simbólico. A Lava-Jato atingiu um mito das classes populares brasileiras, tido por muito como intocável. Houve distúrbios e enfrentamentos em várias partes do país.

O desfecho da crise é imprevisível. Não se sabe se Rousseff terminará o governo, se sofrerá impeachment ou renunciará. Mesmo que consiga terminar seu mandato, em 2018, dificilmente retomará o controle da situação. De fato, não governa mais. Há um vácuo de poder.

As ações contra Lula visam tirá-lo da disputa de 2018. Ele seria o único candidato viável do PT à presidência. Mas, vê-lo de volta ao poder é um terrível pesadelo para as classes abastadas brasileiras.

Não que Lula tenha mexido no patrimônio de quem quer que seja. Mas, em sociedade estruturada de modo tão desigual, como a brasileira, mesmo a mera inclusão social pode soar como pecado, ou “desvio esquerdista”. Tantas tensões geraram um ódio social muito intenso. As classes médias urbanas não suportam mais o PT. O pretexto é a corrupção, mas o sistema político brasileiro é intrinsecamente corrupto. Por que então o ódio se volta contra o PT, exclusivamente? Provavelmente porque, com todos os seus defeitos (que são muitos e enormes), fez o único governo que adotou, de fato, políticas intensivas de inclusão social, que geraram tremendo ressentimento na classe média. Esse sentimento de ódio social vem sendo habilmente manipulado por quem deseja desestabilizar o governo.

A crise não tem prazo para acabar e menos ainda se pode calcular quanto tempo será empregado para sanar os danos provocados ao país. Danos econômicos, sociais e culturais. E quanto tempo levará para cicatrizar o ressentimento social que hoje vivemos? O antigo “país cordial” vive dias de punhos cerrados e dentes à mostra.
Luiz Zanin, jornalista do Estadão

“Não se provou nada sobre o Lula”

A situação no Brasil atualmente é muito complexa. Eu diria que, mais do que a crise econômica – e não estamos só nessa, vide uma boa parte de mundo -, a crise política é a principal sabotadora de tudo o que está acontecendo.Por mais que se tenha críticas a se fazer ao governo Dilma, o que a oposição tem feito (nitidamente os partidos PSDB e PMDB) é uma evidente tentativa de golpe.

Fala-se muito na corrupção do governo do PT, enquanto governistas defendem que, justamente por estar se combatendo a corrupção, o problema tem se evidenciado e, por isso, se atribuído ao governo Lula e Dilma. A verdade é que, por mais que o PT esteja envolvido, vários outros partidos também são corruptos, mas a imprensa simplesmente “esquece” de citá-los.

Uma das operações mais evidentes no combate à corrupção foi a chamada “Lava Jato”, relacionada a desvios de verbas da Petrobrás.

O grande problema é que os setores mais reacionários do Brasil, juntamente com a grande mídia e o poder judiciário, se juntaram numa operação muito nítida de sabotar somente o PT e o governo. A prova disso é que quando alguém de outro partido é citado simplesmente a mídia nem toca no assunto (ou só en passant) e a maioria nem sequer é intimado pra depor… E o que tem havido, já há um tempo, é uma constante forçação de barra pra envolver o Lula em qualquer escândalo, algo que só não vê quem não quer

Basta, por exemplo, um citado em depoimento “ser amigo do Lula” que isso já soa como uma comprovação.

Praticamente todas as grande mídias estão envolvidas, mas principalmente a Globo e a Revista Veja.

E enquanto recentemente o ex presidente FHC e o senador Aécio Neves foram citados em coisas muito mais graves, NÃO SE PROVOU NADA SOBRE O LULA, apelando até pra um sítio que ele repousa e que não tem o menor luxo e até mesmo pedalinhos para crianças.

Resumindo essa história toda, que é longa, acusa-se do juiz Moro, que vem conduzindo a Lava Jato de, além da “preferência” ao PT, ele tem vínculos fortes com a grande imprensa.

E tudo ficou muito claro com a mandado coercitivo que o Lula acabou de sofrer e que a imprensa soube de tudo por antecipação.

Conferência de imprensa com Lula da Silva

Conferência de imprensa com Lula da Silva


Veja bem o quanto de autoritarismo tem nesse episódio:
1) que o Lula não foi intimado antes; mandaram a polícia o buscar em casa para provocar esse espetáculo midiático
2) Pelo o que eu sei, não havia nada de concreto a falar sobre ele

Vale dizer que tudo isso faz parte de uma campanha dos setores reacionários para evitar que o Lula se reeleja em 2018. Mas a coisa foi tão ultrajante que acho que o tiro saiu pela culatra, o cara se saiu mais forte que antes.

Outra coisa que é importante saber é que, por um incrível coincidência, logo após reportagens imensas na Globo sobre um suposto apartamento de luxo atribuído a Lula (e que ele provou que não é dele), descobriu-se um triplex ainda mais luxoso dos herdeiros do Globo.

Que foi citada na Lava Jato, que era mais irregular ainda e que, pra coroar, construída em área de preservação ambiental…

E, finalizando o meu raciocínio, se estes setores reacioários, que atrasam o Brasil há séculos, são contra o Lula, tudo me faz ter mais simpatia ainda pelo gajo e ao PT
Essa raiva toda me parece muito sintomática de alguma ferida que o PT mexeu… E que adorei que eles mexeram!
Christian Caselli, cineasta

Outros links

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/01/lava-jato-delator-diz-que-aecio-neves-era-o-mais-chato-na-cobranca-de-propina.html


http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/01/11/cervero-cita-propina-de-us-100-milhoes-ao-governo-fhc-na-venda-da-perez-companc.htm


http://g1.globo.com/politica/noticia/2010/12/popularidade-de-lula-bate-recorde-e-chega-87-diz-ibope.html

“Vejo perigo de o país ficar próximo de uma verdadeira guerra civil”

O que se passa, é uma caçada a Lula. Uma operação política para tentar aniquilar o maior líder popular que este país já teve.

Parte de uma operação golpista, que está em curso desde a reeleição de Dilma Rousseff. E da qual participam os partidos de oposição, o PSDB à frente, e parte significativa do Judiciário e da imprensa.

Trocando em miúdos – se Lula deve ser investigado, se há indícios de qualquer irregularidade que seja em sua vida, que o seja. Mas por que se atropelam as leis, as regras que servem a todos, no caso dele?

Caso típico foi o que se passou na sexta (4 de março) – montou-se um aparato de guerra, como se se tratasse de um foragido terrorista, para sequestrá-lo (pois foi sequestro – ele não foi convocado a depor, como seria a regra jurídica; sempre se dispôs a depor e já foi espontaneamente fazê-lo um par de vezes; além disso, o Instituto Lula e seus advogados têm oferecido documentos e defesas por escrito de acusações, como as referentes a um apartamento no Guarujá e a um sítio, que não são de sua propriedade).

Se provas houvesse, os seus acusadores as apresentariam alegremente. Se não o fazem, é porque nada encontraram. Mas pretendem manter a fogueira acesa, porque o intuito final é desestabilizar o atual governo e impedir que Lula seja candidato em 2018.

O que houve na sexta foi um circo midiático, para alimentar a cobertura das emissoras de TV e as capas das revistas semanais. Tudo isso visando alimentar uma manifestação pró-impeachment que está marcada faz tempo, para o próximo sábado (13).

Vejo tudo isso com profunda preocupação. É o período mais conturbado da nossa democracia, reconquistada a duras penas desde 1985.

Também vejo perigo de o país ficar próximo de uma verdadeira guerra civil.

Os defensores de Lula e os democratas autênticos, que são contra golpismo e a favor do cumprimento da lei, doa a quem doa, não vão ficar assistindo passivamente a essa palhaçada. E, ao lado de Lula, há setores organizados da sociedade civil, como os sindicatos.

Enfim, é assim que estamos. Tomara que consigamos uma saída de bom senso.
Neusa Barbosa, jornalista, editora do portal Cineweb

www.cineweb.com.br

“Apesar da expressa má vontade de muitos setores da sociedade, a Dilma venceu a eleição no segundo turno.”

Desde a reeleição da Dilma Rousseff, em outubro de 2014, há um clima tenso no país. A operação Lava Jato, que apura o esquema de corrupção na Petrobras já estava a todo vapor e órgãos de imprensa, como a Revista Veja, inflaram os ânimos dos eleitores com vazamentos de depoimentos em juízo dos envolvidos. Apesar da expressa má vontade de muitos setores da sociedade, a Dilma venceu a eleição no segundo turno.

Mas, já na sequência da eleição, houve toda sorte de utilização de informações desencontradas para por em dúvida o resultado do pleito. De modo bem objetivo, a oposição, liderada principalmente pelo PSDB, partido do candidato derrotado Aécio Neves, passou a instigar um clima de instabilidade a cada ação da Lava Jato, que surpreendentemente por meio da delação premiada dos envolvidos em caso de corrupção, permitia vazamentos que exibiam a cada semana novidades que atingiam nomes importantes do PT, partido da presidente Dilma.

Inflado, então, pelas revelações da Lava Jato, o ano passado houve uma série de manifestações pedindo o impeachment da presidente. A constituição brasileira prevê o impedimento do presidente quando, no exercício do mandato, por exemplo, ele estiver envolvido em caso de corrupção. O caso é que, apesar da insistência da oposição, segundo renomados juristas, não se conseguiu objetivamente ligar a presidente ao esquema de corrupção apurado pela Lava Jato.

Toda a discussão sobre a eventualidade de um impeachment, portanto, girava em torno de minudências jurídicas, acordos políticos para a votação no Congresso e, para muitos, sem provas objetivas de envolvimento da presidente ficava no ar o clima de virada de mesa, ou de que a oposição estava querendo destitui a presidente legalmente eleita e chegar ao poder por meios discutíveis. Em suma, para muitos aqui o que a oposição avizinhava, ao tentar impedir a continuidade do mandado da presidente, é um golpe na Constituição.

Até aqui não entra em cena a figura do ex-presidente Lula. Mas, diante da crise política, da linha cerrada da oposição, do enfraquecimento político do governo Dilma, que, pouco depois de reeleita, ostenta índices baixíssimos de popularidade, e da eventual perda de poder do PT na próxima eleição em 2018, o Lula começou a sinalizar que vai se candidatar para estas eleições. O cerco da oposição passou então para duas frentes: impedir a continuidade do mandado da Dilma e fritar qualquer possibilidade de retorno do Lula em 2018.

Claro, isso que exponho é de modo bem esquemático; mais paulatinamente a Lava Jato começou a ligar o ex-presidente Lula ao esquema de corrupção da Petrobras.

O ponto principal da investigação foi com respeito a eventuais privilégios que o Lula teria tido de empreiteiras que receberam propinas em transações com a corrupção na Petrobras. O clima foi esquentado com novas revelações a cada semana. O ápice da situação aconteceu com o vazamento da delação premiada do senador Delcídio Amaral, que foi líder do governo e que se viu envolvido na corrupção da Petrobras.

Na suposta delação premiada, pois esta ainda não foi homologada pela justiça, Delcídio implica Lula e Dilma diretamente no esquema de corrupção da Petrobras.

Lula, então, sexta feira passada, foi coagido pela polícia federal a prestar depoimento sobre as acusações de favorecimento que pesam sobre ele.

Bem, esse é o quadro, em linhas bem gerais. A situação aqui está bem tensa e dividida. A oposição, creio, quer derrubar a presidente e fritar os anseios de retorno do Lula. Para isso, busca legitimar suas investidas com apoio de amplos setores da população descontente com o PT e segmentos da imprensa, com a Rede Globo, canal de comunicação da família Marinho, que praticamente detém o monopólio das comunicações no país.

Digo que creio que a oposição visa derrubar a presidente porque as coisas estão quentes desde a eleição de 2014. Não há clima para apuração da verdade, ou maneira de garantir a defesa diante de uma delação que vaza para a imprensa antes mesmo de ser homologada pela justiça.

Ou seja, a chamada operação Lava Jato se tornou instrumento para se chegar à responsabilidade de Lula e da Dilma em atos de corrupção de que, de fato, não se tem prova. Assim, a Lava Jato ganhou uma dimensão política sem precedente em nossa história recente, cujos desdobramentos em minha opinião são totalmente imprevisíveis.

Quer dizer, como sabemos, em política importa menos a verdade do que o resultado final de uma situação. Numa clima bem dividido, o que muitos importantes intelectuais observam aqui é que a condução da investigação da corrupção na Petrobras tem um alvo bem fixo, o governo Dilma e o PT, e não a corrupção em si. E que com essa condução fomenta-se um clima de revanchismo que apenas mudará de lado caso o PT venha a ser efetivamente alçado do poder.
Humberto Silva, professor de filosofia e ética na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP)

Nota da Edição: Os autores dos testemunhos escrevem em português do Brasil


jornaltornado


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