quinta-feira, 31 de março de 2016

Da “Lei de Gérson” para a “Lei de Moro”: rasgando a constituição.


Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

Violar a lei em nome da Lei, violar a Constituição em nome da Lei, aplicar a lei somente contra o inimigo, forçar confissões e delações, constranger, silenciar, distorcer, da lei de Gérson chegamos ao primor da degradação dos procedimentos de condução do processo legal. A "lei de Gerson" era uma imagem paródia que falava sobre o individualismo e a competição durante o regime militar, a lei do vale tudo para esmagar o outro tirando proveito da capitalização simbólica (do tipo herói das Alagoas), a "lei de Moro" serve para falar da ação voltada para eliminar os inimigos como uma paródia de que a justiça vale para todos. 



Hoje o que não se encaixa no formato da operação judicial-policial, que busca criminalizar um dos lados, força e abusa da exclusão de materiais, elimina do processo o filão da história bancária-política e corporativa real. Descarta a ação que permitiria mapear a estrutura de relações complexa dos fluxos nacionais do grande “Caixa 2”global. Para essa lógica da luta contra a corrupção as CC5 e o Eduardo Cunha são colocados fora da narrativa. O petróleo vira um novo mensalão, que só atinge os inimigos ou o que a ele se aliaram.

A honestidade política e o espírito democrático examinariam todas as contas depositadas no exterior, estimulariam o retorno de todas fortunas evadidas e a realização da reforma da política tendo em conta a superação das estruturas e redes atuais de sonegação, de corrupção e de evasão de divisas.

O Brasil precisa da reforma política e da justiça de proximidade real, social, dos problemas nacionais. Política se decide com voto não é caso de polícia. A promiscuidade político-empresarial como a forma de articulação de interesses deve ser rompida por transformações legais e institucionais submetidas ao poder soberano da vontade popular. As urnas é que devem avaliar, mas quem será que vai presidir o TSE nas próximas eleições? Quais partidos e lideranças que vão sobrar? Qual o lugar dos ovos da serpente que começam a se espalhar através do despertar do ódio no país que mata milhares todos os anos?

Precisamos de segurança jurídica e da defesa da democracia, é preciso lembrar aos membros da cúpula da OAB o risco de afastar o liberalismo da democracia através das práticas de coerção forçada, constrangimento e aprisionamento para produzir a verdade da construção do direito penal do inimigo. As Ordenações Filipinas não podem retornar pela via da judiciarização neoinquisitorial.O Brasil continua um campeão internacional de injustiças e cabe perguntar se o caminho da criminalização do inimigo não reforça ainda mais a guerra civil permanente contra os pobres?

O judiciário do reforço punitivo só amplia a lógica do encarceramento sob o revestimento de uma pseudo luta contra os poderosos, muitos anéis podem ser perdidos, mas as mãos sujas ainda exigem seguir a pista das finanças. No momento em que isso for feito precisaremos de soluções numa outra direção para garantir o pacto constitucional pela via do artigo 6 e da democracia participativa.

O afastamento do Senhor Cunha não foi objeto real de interesse por parte de quem lava as mãos para que se cumpra o velho preceito: aos inimigos a Lei, mesmo onde não existe um crime tipificado. De tudo isso só se conclui que o golpismo é parte intrínseca da luta política que se trava entre os poderes. As forças obscuras exploram o espetáculo e se unem na opção do pão e circo do impeachment. Mais complexo que um plano Cohen o processo de disputa constrói seus simulacros, combinando a verdade de fatos da corrupção com a narrativa ficcional, distorcendo a revelação real das confissões que apontam para a força do dinheiro e as garantias que lhe são dadas, por meio de uma queda dos segmentos do capital e do poder empresarial e político que ousaram conviver com o inimigo. O cálculo de risco leva a uma fuga do navio com medo do naufrágio planejado. O medo e a covardia moral antecipam os fatos, a produção da verdade se antecipa acompanhando os números dos atos da série policial com seus títulos e atores.

"A vingança continua maligna" contra a ousadia de tentar mudar, para os adeptos da lei de Moro cabe agora restaurar o poder das elites. O problema é que as forças obscuras foram liberadas e continuam sedentas com novos processos, novas prisões, enquanto o pântano político do velho centrão estará ávido pelo acordão. Entre a nova direita nas ruas e o acordão os personagens da cena judiciária vão buscar prêmios e cadeiras, convidados para purificar as chapas e alegrar os banquetes com seu estilo animado por uma retórica que se tornará enfadonha e logo será recoberta pela razão cínica que conduz a ideologia real do processo e do retrocesso.

Como disse Tarso Genro corroborado por Boaventura de Sousa Santos, o golpe é processo em ato, um percurso cujo desdobramento dependerá da capacidade de rompermos com a parodia de justiça em curso, recuperando os rumos da constituição, resgatando a OAB para a democracia e separando a lógica e o atravessamento dos poderes, de modo a que a responsabilidade pública prevaleça e o ordenamento jurídico possa contribuir para a repactuação republicana que o país exige. O que certamente não poderá nascer de um acordo no tapetão nem da selvageria segregacionista que manipula o medo do outro pela lógica da destruição do inimigo e pela criminalização do protesto.


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