terça-feira, 15 de março de 2016
Claudio Fonteles e Alvaro Costa criticam o Ministério Público
A critica ao Ministério Público por dois ícones do MPF: Claudio Fonteles e Alvaro Costa
“Que a atuação do Ministério Público contra a corrupção prossiga validamente, instaurando-se e ampliando-se os procedimentos legítimos e necessários e conduzidos de modo exemplar e amplo, sem seletividades, vieses ou desvios. É o que a lei impõe e a sociedade exige, para que não se convertam em meros instrumentos de perseguição, sensacionalismo e facciosismo nos chamados espaços e horários “nobres” da mídia”.
A recomendação acima, bastante crítica como de resto todo o texto, vem de ninguém menos do que dois ícones do Ministério Público Federal brasileiro: o ex-procurador-geral da República Claudio Lemos Fonteles e o sub-procurador da República, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, que foi um dos primeiros Procurador Federal dos Direitos do Cidadão. pós Constituição de 1988 além de ter presidido também a Associação Nacional dos Procuradores da República. Ambos estão aposentados, mas devem ser vistos como exemplos tanto no campo profissional como na vida pessoal. Afinal, como eles mesmos destacam,
“Os que subscrevem este texto dedicaram, senão sua vida funcional toda, mas grande parte dela ao Ministério Público, e o fizeram em momentos decisivos de sua história.
Como não nos calamos antes, não podemos nos calar agora, porque o que nos move é propiciar reflexão madura e serena sobre os acontecimentos presentes na sociedade brasileira”.
Em texto postado esta tarde no Blog de Claudio Fonteles e a nós encaminhado pelo próprio, os dois tecem fortes críticas ao papel do Ministério Público nos últimos acontecimentos. Logo no início do que eles próprios, no e-mail encaminhado, classificam de “Manifesto”, fazem uma crítica velada à maneira como estão atuando procuradores da República e promotores, ao deixarem claro que os membros do Ministério Público
“devem ter bem presente que o trabalho institucional não condiz com arroubos espetaculares, protagonismos em demasia, exaltações midiáticas e prejulgamento”.
Outra crítica pesada é quando alertam que não existe a figura do investigado, uma vez que a instituição – MP – “legitimamente, investiga é o fato; não a pessoa. E vão adiante no puxão de orelha nos seus colegas mais novos:
“Escolher um suposto “criminoso” e a partir daí “investigá-lo” e constrangê-lo para descobrir supostos crimes é inverter a lógica legal e afrontar princípios fundamentais de Direito Processual e Penal. É puro arbítrio, que a ordem jurídica condena e sanciona”.
Sem fazerem referência direta, eles abordam também a questão da condução coercitiva que o juiz Sérgio Moro impôs ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira, 4 de março. Trata-se de um episódio que muitos sustentam pelo qual, na verdade, se pretendia prender o ex-presidente, encaminhando-o para Curitiba. Algo que ainda deverá ser esclarecido para se escrever a História contemporânea deste pais. Sobre condução coercitiva, de forma genérica, os dois dizem:
“Condução coercitiva e prisão preventiva igualmente não se confundem. Não se nega a existência do instrumento da chamada condução coercitiva. É cabível, porém, exclusivamente quanto à testemunha recalcitrante, isto é, a que, tendo regularmente sido intimada a prestar depoimento na forma e nas hipóteses legalmente previstas, tenha se recusado injustificadamente a atender à convocação. Quanto à prisão, é cabível unicamente para o réu ou o indiciado, e não para a testemunha”.
Mais adiante, em to de advertência, lembram:
“O utilizar-se, inapropriadamente, de qualquer desses instrumentos jurídicos a compelir testemunha, indiciado ou réu a prestar depoimento à margem do devido processo legal é de todo inadmissível”.
O artigo de Claudio Lemos Fonteles, ex-Procurador-Geral da República e Alvaro Augusto Ribeiro Costa, ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, sob o título “A Constituição e o Ministério Público: reflexões necessárias” é publicado por Marcelo Auler, repórter, no seu blog, 13-03-2016.
Eis o artigo.
A Constituição federal de 1988 definiu o Ministério Público como instituição essencial ao regime democrático, que lhe cumpre defender, porque na Democracia abre-se pleno espaço ao exercício dos direitos individuais e comunitários.
Instituição que é, seus membros – promotoras e promotores, procuradoras e procuradores – devem ter bem presente que o trabalho institucional não condiz com arroubos espetaculares, protagonismos em demasia, exaltações midiáticas e prejulgamentos.
Se a imprensa, no papel que assume de difundir o furo jornalístico, o estrépito posto em manchete, adota meios condizentes a esse propósito, todavia o compromisso institucional dos membros do Ministério Público orienta para o saber assumir o controle da situação: conduzir, não se deixar conduzir. Prestar, sim, contas à sociedade do desempenho de sua missão constitucional, mas sempre, e quando tenha formado sua convicção serena, fundada e objetiva, afastando-se do emitir juízos meramente opinativos, vale dizer, advindos e carregados de ilações puramente noticiosas.
A propósito, não se pode, em primeiro lugar, confundir figuras processuais absolutamente distintas: a testemunha, o indiciado, o réu. O que é lícito aplicar a um é ilícito aplicar a outro. Todos, porém, sob a proteção da lei e mediante o devido processo legal adequado a cada hipótese e situação.
Lembre-se, ainda, que não existe a figura equivocadamente chamada de investigado. O que legitimamente se investiga é o fato; não a pessoa. Se para leigos e a mídia pouco informada é compreensível a confusão, isso, porém, é inaceitável para um magistrado ou membro do Ministério Público.
Escolher um suposto “criminoso” e a partir daí “investigá-lo” e constrangê-lo para descobrir supostos crimes é inverter a lógica legal e afrontar princípios fundamentais de Direito Processual e Penal. É puro arbítrio, que a ordem jurídica condena e sanciona.
Condução coercitiva e prisão preventiva igualmente não se confundem.
Não se nega a existência do instrumento da chamada condução coercitiva. É cabível, porém, exclusivamente quanto à testemunha recalcitrante, isto é, a que, tendo regularmente sido intimada a prestar depoimento na forma e nas hipóteses legalmente previstas, tenha se recusado injustificadamente a atender à convocação.
Quanto à prisão, é cabível unicamente para o réu ou o indiciado, e não para a testemunha.
O manejar a restrição preventiva à liberdade em quadro de provisoriedade – quando as instâncias de conhecimento e recursal ordinária não tenham positivado o juízo de condenação – pede cautela.
A cautela se expressa na resposta clara às três indagações processuais para isso autorizar: há risco de fuga do indiciado ou do acusado? Ele tem a seu dispor o prejudicar a apuração dos fatos porque é capaz de coagir testemunhos, destruir provas? A conduta, em apuração, é de grave comprometimento da paz social?
Por certo que as respostas, se positivas, a essas indagações não se sustentam caso signifiquem conclusões abstratas, de “viés profético”, ou de “puro achismo”.
O utilizar-se, inapropriadamente, de qualquer desses instrumentos jurídicos a compelir testemunha, indiciado ou réu a prestar depoimento à margem do devido processo legal é de todo inadmissível. Impõe-se destacar, aliás, que o texto constitucional é claríssimo no garantir o princípio de que “ninguém pode ser obrigado a se auto-acusar”, inclusive propiciando estardalhaço no cumprimento da medida. Efetivamente isso não aproveita em nada a um processo válido, antes mancha a verdade institucional do Ministério Público.
Em síntese, procedimentos assim afrontosos à ordem constitucional ou legal sequer podem ser tidos como condução coercitiva ou prisão cautelar. Que o diga o juízo isento e competente para isso.
Que a atuação do Ministério Público contra a corrupção prossiga validamente, instaurando-se e ampliando-se os procedimentos legítimos e necessários e conduzidos de modo exemplar e amplo, sem seletividades, vieses ou desvios. É o que a lei impõe e a sociedade exige, para que não se convertam em meros instrumentos de perseguição, sensacionalismo e facciosismo nos chamados espaços e horários “nobres” da mídia.
Os que subscrevem este texto dedicaram, senão sua vida funcional toda, mas grande parte dela ao Ministério Público, e o fizeram em momentos decisivos de sua história.
Como não nos calamos antes, não podemos nos calar agora, porque o que nos move é propiciar reflexão madura e serena sobre os acontecimentos presentes na sociedade brasileira.
Jamais as soluções arbitrárias e ditatoriais, sempre o debate franco, respeitoso e claro: só assim aprendemos e vivemos Democracia”.
Para ler mais:
Unisinos
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