domingo, 20 de dezembro de 2015
Uma dança à margem do abismo
Este livro reúne textos publicados em jornais e revistas, entre 2002 e 2015 – eles trazem uma rigorosa e atenta análise da política brasileira.
José Carlos Ruy
Tendo examinado inúmeros estudos sobre a corrupção política no Brasil e em todo o mundo – nos países europeus, Inglaterra sobretudo, Estados Unidos, Japão etc, etc, etc, e em todas as épocas, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos assegura: em todos os estudos “está o tema de que a política muda de qualidade com a entrada de novas classes sociais no jogo político.
Não é razoável admitir, contudo, que a corrupção só ingresse na vida pública pelas mãos da burguesia, primeiro, e das classes populares, posteriormente. Os volumes oferecem material de sobra sobre os esquemas de corrupção nos períodos aristocráticos e oligárquicos, de todos os países investigados. Ocorre que, antes, os processos de corrupção se davam nas disputas entre membros do mesmo grupo social e ninguém promovia escândalo, preservando a face externa da classe.
Assim como a nossa Primeira República, durante a qual pouquíssimos foram os escândalos de corrupção denunciados no parlamento ou fora dele. De fato, a porca torce o rabo é quando aparecem outros sócios, sem pedigree. Comerciantes novos ricos, capitães da indústria abiscoitando contratos, isenções, licenças fiscais. E dá ainda uma segunda volta no rabicho quando chega a vez da turma de macacão reclamando a sua parte. Aí, é verdade, foi demais para a paciência aristocrática e oligárquica. O que seria da eficiência do Estado, exposto às demandas ou eventuais atividades predatórias daquele bando? Onde iria parar a ética na mão daqueles grosseirões semianalfabetos? ”
Este texto, publicado em maio de 2007 no jornal Valor Econômico sob o título “Há espaço para todo mundo na corrupção”, foi republicado no livro A margem do abismo: conflitos na política brasileira, lançado pela Editora Revan, e que reúne artigos, ensaios e entrevistas do autor, Wanderley Guilherme dos Santos, publicados entre 2002 e2015 em jornais, revistas, blogs etc.
Wanderley Guilherme dos Santos é, sem dúvida, o decano dos comentaristas políticos brasileiros. Formado em ciência política em 1958, na então Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil [hoje UFRJ], foi autor (em 1962) do clássico “instantâneo” Quem Dará o Golpe no Brasil, publicado na coleção Cadernos do Povo Brasileiro, dirigida por Álvaro Vieira Pinto e Ênio Silveira (Editora Civilização Brasileira).
Aquele rapaz de apenas 27 anos de idade gabaritou-se para ser um dos mais atentos, e ousados, dos observadores da cena política brasileira.
Atenção e ousadia que podem ser observadas neste volume com textos que tratam da evolução política recente em nosso país.
Dono de um texto de enorme qualidade literária, Wanderley Guilherme dos Santos está longe de autores enquadrados no status quo e embasbacados com aquilo que chamam de modernidade – modernidade vista como a imitação servil de padrões estrangeiros dominantes.
Não. Ele está interessado sim na modernização do país, compreendida como a aquisição de padrões de bem-estar social, educação, saúde, respeito ao trabalho, distribuição de renda – a modernidade efetiva que povo reclama e o país precisa.
Os textos publicados nesse volume não são engajados no sentido vulgar da palavra – são análises rigorosas e muitas vezes bem humoradas da luta política em que a modernidade almejada pelo povo e muitas vezes expressa nas ações dos governos Lula e Dilma, se choca com o atraso da oligarquia que sempre mandou e pretende mandar sempre.
O texto que abre este artigo, que trata da corrupção e suas circunstâncias, é um exemplo da fineza das análises de Wanderley Guilherme dos Santos.
É usual dizer-se que a direita tem sido, desde pelo menos Getúlio Vargas, há mais de 70 anos, o principal fator de instabilidade na política brasileira.
A análise de Wanderley Guilherme dos Santos permite vislumbrar o porquê disso. Nos períodos anteriores, a oligarquia e seus antepassados – desde a época colonial, passando pelo Império e pela República Velha – não tinha competidores pelo butim da riqueza social e pública. Não havia portanto ambiente para denúncias de corrupção. Isso começa a acontecer, com frequência cada vez mais acentuada, depois de 1930, e mais ainda de 1950, quando a velha oligarquia, que sempre dominou (os antepassados dos neoliberais, rentistas e especuladores financeiros de hoje), passou a enfrentar a concorrência da burguesia industrial. E, mais tarde ainda – depois do fim da ditadura militar de1964 – dos homens de “macacão”.
A situação que fica ainda pior, para a direita e seus sócios rentistas, após os governos Lula e Dilma, que – ligados ao povo – colocam o Estado a serviço da melhoria de todos os brasileiros, mesmo que em escala ainda insuficiente. E, pior, criam mecanismos de governo para o controle, apuração, investigação e repressão do mau uso do dinheiro público. Para a direita, que sempre dominou e sempre encheu seus cofres às custas do erário público, é uma situação inaceitável!
Nesse sentido, talvez a única crítica que À Margem do abismo – conflitos na política brasileira mereça seja em relação ao título do livro. Talvez coubesse nele a palavra dançando para descrever esta dança macabra e terrível que, para defender seus privilégios cada vez mais ameaçados, a direita impõe a todas as classes sociais brasileiras, obrigadas a bailar para derrotar este passadio atrasado que se recusa a passar.
Wanderley Guilherme dos Santos. À Margem do Abismo: conflitos na política brasileira. Rio de Janeiro, Editora Revan.
Vermelho
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