sábado, 11 de julho de 2015

Menor criminoso é o filho dos outros



Se no Brasil, apenas 20% dos homicídios investigados tem autoria esclarecida, como explicar que o país inteiro se envolva com a pauta da redução da maioridade penal? Como explicar que mais de 80% da população, segundo diferentes pesquisas de opinião, sejam favoráveis à redução da maioridade penal? Há muita paixão, ignorância, manipulação e demagogia nesta questão.


 

Sobre este debate alguns aspectos devem ser destacados:
 

1º. O sentimento de indignação e impotência da população diante da violência é justo e legítimo;
 

2º. O desejo de amplos setores da sociedade em reduzir a idade penal é compreensível, é a busca por justiça;
 

3º. Há muita desinformação sobre os números da violência no Brasil, se conhece muito sobre o perfil de quem é vítima dos crimes de morte, mas se conhece pouco sobre o perfil de quem comete homicídios;
 

4º. Há uma ignorância generalizada sobre o fluxo da justiça criminal criminal no país; uma grande parte dos crimes não é reportada à polícia civil, a que cabe investigar, etapa que antecede os trabalhos do ministério público e do poder judiciário;
 

5º. Os meios de comunicação fazem um espetáculo com a violência com o único objetivo de alcançar melhores índices de audiência, sem nenhuma preocupação ética com o esclarecimento racional do problema, muito menos com a busca pragmática de resultados para a redução dos crimes;
 

6º. Grande parte da população desconhece que já há na legislação punições previstas para os menores em desacordo com a lei, inclusive a restrição à liberdade;
 

7º. As prisões no Brasil são dominadas por facções criminosas que cooptam facilmente os apenados para as redes do crime organizado;
 

8º. O Brasil nunca implantou devidamente o Sistema de Atendimento Socioeducativo (SINASE), nem o Plano Individual de Atendimento (PIA), medidas previstas na lei para reintegrar e reduzir a reincidência de infrações;
 

9º. As estimativas apontam que há no país um arsenal de armas de fogo, são 15,2 milhões de armas em mãos privadas, sendo que destas, aproximadamente 3,8 milhões estão nas mãos de criminosos;
 

10º. O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, são mais de 600 mil presos, nos últimos vinte anos o número de prisioneiros cresceu mais de 400%; mas o número de homicídios cresceu no país, mesmo com muito mais gente sendo encarcerada.
 

Qual é o ponto de partida? Diante do quadro acima, qual deve ser o ponto de partida para pensar a grave questão da violência e a reivindicação por segurança pública e punição para quem comete crimes? É preciso pensar sobre o que realmente queremos e assumirmos responsabilidade com isto. Agindo racionalmente: o que queremos é viver em segurança e queremos justiça, punição para os culpados? Ou queremos vingança, a ser feita pelo Estado?
 

Penso que o ponto de partida para se viver em segurança e num país onde haja justiça, o ponto de partida é pensarmos que pessoa, que ser humano queremos ser e que o outro seja, é pensarmos que país queremos ser. É pensar inclusive que a construção de um país com menos violência e mais justiça depende das pessoas que formam o povo brasileiro em toda a sua diversidade, esse povo que está aí, com seus limites, seus valores, suas ânsias, potencial e possibilidades.
 

A redução da maioridade penal é uma medida que trará efetivamente mais segurança e justiça? Pela experiência mais recente do Brasil, onde crescem paralelamente os números da violência e os números dos crimes de homicídios, sem que a maior parte desses homicídios sejam sequer elucidados, prender mais gente, encarcerar a juventude infratora seria uma medida inócua, sem efeitos práticos para quem quer mais segurança.
 

A redução da maioridade penal não seria uma medida eficaz para reduzir os números da violência, mas com certeza acarretaria outros efeitos indesejados, por exemplo, o aumento da população carcerária em presídios superlotados, o aumento das despesas governamentais com um número crescente de encarcerados e o aumento de mão de obra para o crime organizado.
 

Os primeiros efeitos do debate sobre a redução da maioridade penal. O debate sobre a redução da maioridade penal já tem uma consequência imediata na agenda nacional: Essa pauta serve como um biombo a esconder outras pautas prioritárias e outros desafios mais abrangentes, como a falência do sistema de segurança pública e de justiça, a vulnerabilidade da juventude à violência e e à desigualdade racial, o boicote político ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
 

Enquanto se discute apaixonadamente a proposta de encarcerar adolescentes infratores, o país se esquece de debater propostas substantivas como a desmilitarização da segurança pública, o desarmamento, o sistema prisional e a possibilidade de penas externas ao cárcere, o sistema de justiça criminal, a efetiva implantação do SINASE e do PIA.
 

Criminoso é o filho dos outros. Outro ponto de partida para a proposta da redução da maioridade penal seria cada pessoa se colocar na situação de pai/mãe, de irmão/irmã, de avô/avó, tio/tia de um jovem adolescente acusado de ter cometido uma infração, pro grave que seja.
 

- Qual seria, caro leitor ou leitora a sua reação? Você não iria botar a culpa pelos erros do seu filho/irmão/neto/sobrinho nas más companhias dele? Você não iria alegar que ele era um garoto, sem experiência de vida e ainda em formação?
 

Você não iria contratar advogados e mexer com mundos e fundos para evitar que sue filho/irmão/neto/sobrinho fosse condenado e depois encarcerado em um presídio, junto com bandidos perigosos? Você conseguiria imaginar seu jovem filho/irmão/neto/sobrinho acusado, condenado e preso na forma da lei, sendo estuprado e/ou cooptado pelo crime organizado?
 

Há tempo. Pense, haja racionalmente: Você quer segurança e justiça? Ou você quer vingança, desde que seja contra o filho dos outros?


Zizo Mamede

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...