Reportagem narra os desafios da Cooperativa de Produção Agropecuária de Nova Santa Rita (RS), onde trabalhadores atuam de forma coletiva.
Najar Tubino
Nova Santa Rita (RS) – Este é um município perto da região metropolitana, 45 km de Porto Alegre, a menos de 8 km do Polo Petroquímico de Triunfo, mas onde 30 famílias de agricultores familiares e 67 associados produzem, beneficiam e industrializam arroz orgânico, livre de agrotóxicos. E, que a partir do dia 10 de novembro, estará presente na merenda escolar de 260 mil estudantes da rede pública da capital paulista. A COOPAN (Cooperativa de Produção Agropecuária de Nova Santa Rita Ltda.) é responsável pela preparação das 930 toneladas licitadas pela Prefeitura de São Paulo no valor de R$2,4 milhões. Porém, a licitação aprovada é da COOTAP (Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre). A produção de arroz orgânico dos assentamentos envolve quase 500 famílias na região metropolitana e municípios vizinhos e na próxima safra ocupará uma área de quatro mil hectares e produzirão 360 mil sacas de 50 kg, ou o equivalente a 18 mil toneladas.
O Assentamento Capela, onde vivem 100 famílias, tem quase 20 anos. As famílias associadas na COOPAN trabalham de forma coletiva, a cooperativa mantém uma área de produção em torno de 600 hectares, dos mais de dois mil do assentamento. São famílias de origem da região do Alto Uruguai, município de Sarandi e arredores, onde nasceu o MST há quase 30 anos. Aqui a agrovila conta com uma creche, uma escola de ensino fundamental, refeitório, escritório, além de um abatedouro de suínos, com capacidade para abater 80 animais/dia. Além do arroz orgânico as famílias criam suínos, mantém cerca de 2.500 animais, tratados com ração a base de farelo de arroz e arroz orgânico quebrado.
A primeira entrega
O motivo da visita: presenciar a entrega das primeiras 206 toneladas do arroz, programadas para chegar a São Paulo até o dia 10 de novembro. Mas os caminhões atrasaram. Na realidade este é um exemplo do que os agricultores familiares e camponeses já instalados em suas terras, depois de quase duas décadas são capazes de realizar. Muito embora os caminhos até esta etapa não tenham sido nada agradáveis. Como disse em uma conversa apressada- é época de plantio e todo mundo estava na lavoura ou na indústria-, Ayrton Rubenich, um dos coordenadores da COOPAN, “nos primeiros quatro anos tivemos que fazer até bico na região para sobreviver”.
As cooperativas ligadas ao MST são organizadas em torno da COCEARGS, no caso é uma central, tem 13 associadas. Em 1999, começaram as primeiras experiências com a produção de orgânicos no RS. Na COOPAN eles contam a partir de 2004. As cooperativas trabalham interligadas, no caso da COOTAP só comercializa a produção e tem a marca regional TERRA LIVRE, que está na embalagem de cinco quilos do arroz será distribuído em São Paulo. Nos últimos dez anos, os agricultores familiares e camponeses gaúchos se organizaram em grupos gestores, divididos por área de atuação – arroz, hortaliças, sementes, fruticultura, leite, entre outros.
Estrutura da COOPAN
O grupo gestor traça a política de atuação, faz o planejamento das atividades, definem os cursos, questões necessárias ao plantio, intercâmbios. A licitação da prefeitura de São Paulo também inclui outras 800 toneladas de arroz parboilizado, que serão produzidas pelos agricultores do Paraná. A COOPAN durante os últimos anos estruturou a sua agroindústria usando programas federais do INCRA, do BNDES, do MDA, qualquer tipo de recurso, inclusive dos próprios agricultores. Hoje eles têm uma estrutura de sete silos com capacidade estática para 85 mil sacas, mas devem girar entre 120 e 150 mil sacas de arroz orgânico, parte dele com a variedade cateto, mas a maioria é agulha. Por exemplo, a última aquisição, a máquina de embalagem a vácuo, com capacidade para seis quilos - seis pacotes de 1 kg - custou R$600 mil, foi a primeira do Brasil e eles demoraram mais de seis meses para deixá-la no ponto.
Não tem outra saída
O Brasil tem 87 milhões de hectares distribuídos para 950 mil famílias no programa de reforma agrária, mais da metade nos últimos 10 anos. Nos últimos três anos o programa travou, só recentemente foram desapropriadas oito imóveis. Interessa que essa é uma área maior do que a soma das áreas ocupadas pela soja, milho, cana, eucalipto e algodão. Também é evidente que nem todos os projetos estão estruturados como a COOPAN. Porém, todos sabem que não existe outro caminho senão beneficiar a matéria-prima que eles produzem. Ou vende a produção diretamente – caso das feiras em todo o país – ou beneficia, embala e comercializa.
E agora chegamos ao problema. Até o momento, o governo federal, com os programas de aquisição de alimento e da merenda escolar, tem sido o responsável pela compra desses produtos. No caso do PAA, mais de três milhões de toneladas nos últimos 10 anos, e uma verba de R$5 bilhões. Que não é nada perto dos mais de R$100 bilhões do custeio da soja, do milho e do algodão. A ONU reconheceu a importância do PAA e do PNAE num relatório recente, divulgado no Dia Mundial da Alimentação – 15 de outubro:
“Os dois programas combinados constituem uma das maiores iniciativas de compras institucionais de alimentos do mundo. Os programas funcionam como redes de proteção social que melhoram a segurança alimentar e nutricional e garantem o acesso a alimentos saudáveis aos grupos sociais vulneráveis, como crianças em idade escolar”.
Na verdade as compras governamentais também atendem a creches e asilos, além das populações, que vivem em insegurança alimentar, nome técnico de quem não tem dinheiro para comprar comida todo dia. A ONU contabiliza o potencial de compras por estados e municípios em R$2 bilhões, que circularão diretamente nas economias regionais, dado que 30% da aquisição de alimentos para merenda escolar por lei tem que ser destinado à agricultura familiar.
As compras da CONAB travaram
Recentemente a Polícia Federal instalou um inquérito para investir irregularidades no programa em municípios do Paraná e envolvendo a compra de suco de uva de cooperativas gaúchas, inclusive com pedido de prisão do presidente da Conab, Silvio Porto e outros dirigentes. Outubro é época de plantio. Quem produziu arroz orgânico e entregou às cooperativas precisa receber e investir na próxima safra. Ayrton Rubenich explica o caso:
“Nós sempre usamos as compras da CONAB para formar estoque como capital de giro, porque podemos pagar o adiantamento em produto. Não é muita coisa – R$1,5 milhão por CNPJ -, mas é a forma de mantermos capital de giro. Nós temos um faturamento em torno de R$5 a 6 milhões por ano, incluindo a comercialização e os serviços que prestamos. No nosso caso, somos 67 cooperativados. O talão do produtor é da cooperativa. A exigência agora é que o produtor forneça a nota e o dinheiro vai direto para a conta dele. E a cooperativa, nós trabalhamos com produto beneficiado, como pagaremos os custos?”
As compras para estoque da CONAB travaram, depois da ação da PF. O próprio governo federal diz que a CONAB é responsável por 40% das compras da agricultura familiar. Nos últimos anos envolve um contingente de quase 200 mil famílias. Ayrton Rubenich diz que as regras foram feitas por burocratas de escritório. Simples: eles trabalham coletivamente, todas as ações e todas as decisões, como vão individualizar o trabalho? Mas tem mais: os limites para venda nos programas variam de R$8 mil a R$ 20 mil, de receita bruta por ano. É como condenar todos a uma única forma de vida – a sobrevivência. Sem horizonte de crescimento.
A burocracia é uma odisseia
No início de fevereiro, a presidenta Dilma Rousseff lançou em Arapongas, norte do Paraná, o Programa Terra Forte, reunindo ações do BNDES, através do Fundo Social, do INCRA, da Fundação Banco do Brasil, do MDA, MDS, com o objetivo de investir R$300 milhões em projetos de agroindústrias nos assentamentos: “permitirá a ampliação das condições de autonomia das famílias assentadas e da produção de alimentos saudáveis por parte dos assentados”. Foram selecionados 139 projetos para acessar o programa Terra Forte, de 1.084 assentamentos, envolvendo mais de 130 mil famílias.
A COOPAN tem um projeto de construir novo frigorífico, maior, que vai abater bovinos e suínos – 250 cabeças/dia. Estão na burocracia estatal há quase um ano discutindo as liberações, as exigências e as verbas necessárias. No próximo mês de fevereiro, quando o Programa” Terra Forte” completar um ano, provavelmente não terão assinado o contrato de construção. E a construção demorará mais outro ano.
Enfim, é muito lento. Não adianta construir programas, que na prática, se transformam em uma odisseia grega. Mas a questão é outra, argumenta Ayrton Rubenich: “as empresas, o agronegócio não querem que a agricultura familiar cresça. O PAA e o PNAE precisam ir para frente, não retroceder. As empresas não querem perder o domínio da produção de alimentos. Sem concorrência, botam o preço que quiserem”.
Concorrência atrevida
O sucesso da agricultura familiar e camponesa, que hoje em dia envolve seguramente mais de cinco milhões de pessoas – uma pesquisa do IBGE de 2006 constatou que os assentamentos visitados geravam 1,8 milhão de empregos e um valor bruto de produção de quase R$10 bilhões – significa a perda de poder do agronegócio e da indústria de alimentação. Não é nem pela verba envolvida nos programas, muito pouco pelo tamanho do giro financeiro industrial.
Entretanto, incomoda aos grandes proprietários, às corporações envolvidas com o agronegócio. E, no futuro, sabem que terão uma concorrência atrevida. Milhares de coletivos, de cooperativas, de grupos associados, de centrais de comercialização, de indústrias ligadas aos movimentos sociais, com um custo menor, com produção de alimentos saudáveis, garantia de abastecimento interno e desenvolvimento rural. Tudo o que eles não querem.
Para citar alguns exemplos de projetos de cooperativas envolvendo milhares de famílias, inaugurados nos últimos meses: Arapongas, agroindústria do leite, produção de iogurte, queijo, manteiga, beneficia 24 assentamentos, 2,3 mil famílias com investimentos de R$11,3 milhões. É o maior deles. Ainda no Paraná, a COANOP, no norte pioneiro, recebeu R$5,5 milhões do Fundo Social do BNDES para classificação e beneficiamento de café, envolve 759 famílias. Em Ipixuna, no Pará, foi inaugurada uma fábrica para beneficiar castanha de caju e produzir doces de frutas tropicais. Foram beneficiadas 2.180 famílias e 15 projetos de assentamento. Antes vendiam a castanha por R$ 1 o quilo, agora sai por R$22,00.
Os exemplos são muitos e traduzem uma transformação das comunidades que estão trabalhando a terra, depois de anos de lutas. Além disso, muitos entraram adolescentes, casaram, têm filhos, os filhos trabalham junto, estudam – a filha do Ayrton estuda economia no Paraná, e outro companheiro estuda veterinária em Pelotas -, precisam de mercado de trabalho.
“Se não fosse pela agroindústria nós não teríamos como segurar a juventude, nem nossas companheiras, que iriam procurar trabalho na cidade. No caso dos dois que estão na universidade, continuam recebendo da cooperativa. Nas férias, nos intervalos, eles voltam e exercem uma função, uma atividade”.
Carta Maior
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