domingo, 3 de novembro de 2013

O Estado de Direito ameaçado na Paraíba


OS QUARENTA



Eduardo Varandas Araruna


Se fosse necessário escolher detestaria menos a tirania de um só do que a de muitos. Um déspota tem sempre alguns bons momentos; uma assembleia de déspotas nunca os tem. (Voltaire)

Normalmente, no universo mitológico das 1001 noites, o número quarenta está associado à quantidade de ladrões que travara batalha sem trégua com Ali Babá pelo tesouro da caverna.

Na Paraíba, a quantidade de ladrões, genericamente falando, é bem superior a quarenta, e a famosa fábula aqui perderia seu charme ante a corriqueira arte de roubar o patrimônio público.

Já que fábulas descrevem o excepcional e não o ordinário. Todavia, o título deste texto não se volta à ladroeira que sói assolar a Paraíba.

Quero falar de outros quarenta (ou quarenta e um). Os quarenta indivíduos, rectius: Autoridades, com “A” maiúsculo, as quais escreveram uma belíssima página na história recente deste Estado.

O fato é que, de forma inédita, num sítio onde desfilam vassalos, falsos lordes, bajuladores e déspotas, quarenta Procuradores do Estado subscreveram ação de improbidade administrativa contra o secretário de Estado da Saúde, Waldson Dias. Na ação, pede-se a condenação do gestor pela violação visceral à Lei de Licitações e das Constituições Federal e Estadual.

Na medida judicial, os quarenta Procuradores asserem que, mesmo depois de intimado pessoalmente em 2012, o secretário remanesceu descumprido a determinação de enviar à Procuradoria Geral do Estado todas as licitações de competência da pasta. Nesse diapasão, os Procuradores postularam a decretação da perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos do secretário-réu pelo prazo de cinco anos, com a obrigação de enviar todos os processos licitatórios para análise da Procuradoria Geral do Estado.

Como é praxe deste governo não respeitar os mais comezinhos primados do Estado Democrático de Direito e atropelar descaradamente todas as autoridades constituídas, o Procurador-Geral do Estado ameaçou publicamente perseguir os quarenta “rebeldes” com uma correição feudal aos moldes da Santa Inquisição da Idade Média.

Os Procuradores não se intimidaram e resolveram adotar postura similar para a Secretária de Administração Livânia Farias.

Agora, para entornar mais o caldo, a cúpula da instituição, numa medida nada surpreendente, edita ato normativo intimidatório e arbitrário a fim de apor cabresto e mordaça aos Procuradores do Estado. A cena lembra-me a ira de Darth Vader, no clássico “O Império Contra-Ataca”, de George Lucas.

Quiçá não saiba Sua Excelência, o Procurador-General (ups! Geral), que a Procuradoria do Estado defende os interesses da pessoa jurídica de direito público, ou seja: do Estado da Paraíba, e não os mandos e desmandos de seus gestores. Os membros da Procuradoria Geral do Estado gozam de razoável autonomia de agir no indisponível e nobre mister da defesa incondicional do erário e não se lhes aplica o regime de servidão ou vassalagem, normalmente regente àqueles nomeados por favores políticos ou preimidos pela voragem arrogante da gestão pública.

Tamanho é o descaso governamental com a Procuradoria Geral do Estado que o edifício onde funcionava o órgão, além de outras secretárias, foi interditado pelo Ministério Público do Trabalho, através de medida judicial, por absoluta falta de condições de trabalho. O relatório da Superintendência do Trabalho em Emprego, sobre o imóvel, feito por gabaritados expertos em segurança do trabalho, demonstraram que os Procuradores Estaduais e demais servidores estavam confinados numa verdadeira torre do terror que faria Hollywood tremer.

No Estado de Direito, caro leitor, o poder deve controlar o poder para evitar a embriaguez e a sordidez do próprio poder pelas seivas ilusórias do glamour, da riqueza e da força.

Tanto o Senhor Waldson quanto à senhora Livânia foram igualmente acionados pelo Ministério Público do Trabalho, com base em laudo da auditoria do Tribunal de Contas da União, o qual, dentre outras traquinagens administrativas, apontava ausência de procedimentos licitatórios em vários aspectos consectários decorrentes do macabro contrato de gestão pactuada do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena. A sentença de primeiro grau reconheceu a ilicitude apontada pelo MPT, todavia absolveu os secretários por entender que somente o Estado deveria ser responsabilizado. O TRT declarou a incompetência da Justiça do Trabalho e questão será decida pelo Tribunal Superior do Trabalho em sede de agravo de instrumento.

Resta saber se o Ministério Público do Estado ingressará na querela, na condição de legítimo defensor dos interesses transindividuais. O Estado de Direito revela-se ameaçado aqui na Paraíba, e posturas hão de ser tomadas. Mais uma dúvida: irá o Poder Judiciário Estadual igualmente escrever um novo capítulo na nossa história?

Quem viver, verá! Abre-te Sésamo, ó Justiça!

Wscom


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