A luta contra irregularidades eventualmente cometidas em projetos como Belo Monte não deve passar pela negação de usinas hidroelétricas
Jaciara Itaim
O desastre ocorrido em março de 2011 com a usina nuclear de Fukushima no Japão recolocou no centro do debate internacional a questão das alternativas para geração de energia em nosso planeta. Passados mais de 2 anos e meio da catástrofe, ainda se fazem sentir os efeitos provocados sobre a população próxima e distante do local da tragédia, bem como sobre o meio ambiente de uma forma generalizada. Radiação em níveis de letalidade, contaminação das águas e da atmosfera, enfim são inúmeras as conseqüências que terminaram por colocar em xeque, mais uma vez, a adoção desse modelo energético.
Esse foi o primeiro acidente de grande expressão do milênio, mas já havia sido precedido de uma série de outros de proporções também significativas nas últimas décadas. Foram casos como o de Three Mile Stone (1979, nos Estados Unidos), o de Chernobyl (1986, na antiga União Soviética) e também o nosso, aqui de Goiânia (conhecido como Césio 137, em 1987). Apesar de todas as advertências feitas pelos especialistas, pelos movimentos sociais e pela própria Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), pouco foi sendo implementado pelos países no sentido de se promover uma mudança de rota.
Mudanças no nuclear após Fukushima
Causa estranheza tamanha passividade no trato de fonte tão perigosa para o futuro do planeta. Na verdade, tal lentidão só reforça a idéia de que as alternativas energéticas são definidas em razão dos interesses econômicos, militares e geopolíticos envolvidos com as opções apresentadas a cada momento. Não bastam estudos e evidências de natureza técnica a embasar uma ou outra hipótese. As decisões são tomadas na esfera da política, a partir do jogo de pressão dos interesses envolvidos.
O recurso generalizado e o desenvolvimento da tecnologia nuclear guardam relação íntima com a questão militar, mas essa opção também foi uma tentativa de resposta dos países europeus para escapar da dependência do petróleo importado e da antiga matriz da energia movida a carvão. Assim, a usina atômica era sempre apresentada como uma “solução racional” para um modelo que se revelasse independente dos combustíveis fósseis e adaptado para países que não contassem com as facilidades naturais da hidroeletricidade. As imagens e os rastros da hecatombe de Hiroshima e Nagasaki tampouco foram suficientes para demover a opção adotada por boa parte dos países europeus.
O poder dos grandes conglomerados petrolíferos no mundo reside na importância que esse importante combustível fóssil exerce ainda em nossos tempos. A matriz energética norte-americana é bastante dependente do óleo e os interesses econômicos da economia ligada a esse complexo têm retardado ao máximo a transição para um modelo que seja menos comprometedor do aquecimento global. A única variável que conseguiu promover algum tipo de mudança foi a elevação dessa matéria-prima estratégica, levada a cabo de tempos em tempos pela articulação das empresas e governos em torno da OPEP. Sob tais condições de elevação de custos da energia, são lançadas experiências como os combustíveis derivados da agricultura e agora, mais recentemente, a opção pelo gás de xisto.
O impacto de Fukushima foi de tal ordem que importantes países adeptos do nuclear estão começando a rever tal estratégia. A começar pelo próprio Japão e alguns países europeus liderados pela Alemanha, parece ter início um movimento de busca de recursos alternativos para manter tais sociedades em movimento. Porém, as economias que mais crescem nos tempos atuais ainda não alcançaram tal patamar de sofisticação para colocar em marcha sua matriz energética. A China, por exemplo, mal começa a se afastar do padrão mais comum do século XIX e já inicia a substituição do carvão como combustível pelo uso do petróleo e pela hidroeletricidade. Não por acaso, está localizada naquele país a maior usina desse tipo do mundo, a gigantesca Barragem 3 Gargantas.
Fontes alternativas: energia limpa e sustentável
Aos poucos começam a surgir outros meios de geração de energia, como a derivada de biomassa, a solar, a eólica, a das marés, entre outras. O problema é que tais novidades ainda não contam com capacidade e volume para gerar a quantidade de energia para manter o mundo em movimento, tal como atualmente ocorre. E muito menos para o processo crescente de incorporação de bilhões de indivíduos que ainda se encontram à margem de padrões mínimos de qualidade de vida civilizada. Os países e suas populações exigem atendimento à demanda reprimida de acesso e bens básicos de consumo e de energia no curto prazo.
Ora, frente a esse quadro de dificuldades enfrentadas pelos países em todos os continentes, a situação do Brasil pode até ser considerada “confortável”. Afinal, contamos com uma rede de rios que nos assegura - com bastante folga, inclusive - uma das fontes de energia renovável mais limpa e sustentável que se conhece. É claro que a tecnologia contemporânea deveria estar ao alcance de se construírem usinas hidroelétricas com menor comprometimento ambiental. Porém, é preciso ficar claro que alguma fonte de energia sempre será necessária para assegurar o desenvolvimento social e econômico em nossas terras. Não há discurso que se sustente para um projeto desenvolvimentista de sociedade sem que sejam apresentadas as fontes energéticas para viabilizar sua consolidação.
Desenvolvimento social e econômico requer mais energia
A questão é sensível e polêmica. Mas não existe caminho que consiga promover essa necessária inclusão em termos globais e que implique, ao mesmo tempo, a redução do consumo de energia. A idéia da economia do “decrescimento” ou da estagnação pode até ser válida para países que já alcançaram um padrão de desenvolvimento e infraestrutura para a maioria de suas populações. Em sociedades que já conhecem um padrão do tipo “Estado do bem estar”, onde a taxa de inclusão é bastante elevada, talvez seja até razoável se permitir esse tipo de iniciativa. Mas esses casos representam uma parcela ínfima da população carente no mundo contemporâneo.
Uma coisa é buscarmos padrões de produção e consumo que não sejam repetição do passado, onde a regra tem sido sempre a busca do lucro no curto prazo e nenhuma preocupação com a sustentabilidade em sentido amplo. O modelo é baseado no desperdício de matéria-prima e de energia, na obsolescência programada, no estímulo a consumismo desenfreado e irresponsável, entre outros fatores que beiram a irracionalidade. Porém, um elemento no debate é inelutável: não dá para contornar o fato de que as necessidades globais de energia tendem a aumentar ao longo das próximas décadas.
O sistema brasileiro está chegando ao seu limite de capacidade de geração de energia. Assim, quando se propõe a retomada da trilha do crescimento econômico é necessário também apresentar os mecanismos para suprir as carências e preencher os gargalos em termos de infraestrutura. E a questão energética está dentre as mais emergenciais. Se não queremos a retomada do projeto nuclear e tampouco o crescimento da participação das termoelétricas, o caminho passa pela continuidade das hidroelétricas e pela incorporação crescente de tecnologias alternativas, a exemplo da energia eólica, das marés e solar. Isso significa que a luta contra as injustiças e as irregularidades eventualmente cometidas em projetos, como parece ser o caso de Belo Monte, não deve ser confundida com a negação da usina hidroelétrica como fonte necessária para o suprimento de energia no atual estado das artes do setor.
Mudanças macro e micro: exemplo do chuveiro elétrico
Ao mesmo tempo, há inúmeras soluções e alternativas a serem implementadas para equalização do balanço entre fontes e usos de energia em nosso País. O consumo residencial responde por quase 27% do total da energia despendida. Isso significa que os programas de racionalização e de minimização de gasto de energia devem mirar também o consumo industrial e comercial. Mas ainda há espaços importantes para redução do uso associado ao desperdício, como bem ficou provado à época do nada saudoso apagão, quando as campanhas públicas tiveram o efeito positivo de mostrar que havia “gordura a queimar”.
Um ponto mais do que evidente - e incompreensivelmente pouco tocado - é relativo à utilização do chuveiro elétrico para aquecimento da água para banho da população. Trata-se de um dos mais irracionais e ineficientes sistemas de uso de energia para aquecimento de água. De alguma forma, uma jabuticaba energética. Mais de 90% das residências brasileiras se utilizam desse modelo, aparentemente “inofensivo”. No entanto, ele é um dos responsáveis pela necessidade de super-dimensionamento do modelo global de oferta de energia elétrica, apenas para atender ao pico de uso do banho, entre 18hs e 21hs. O uso do chuveiro representa 23% do total do consumo residencial – ou seja, quase 6% do total de energia elétrica do País.
Ora, para mudar esse hábito cultural existem alternativas sólidas do ponto de vista tecnológico e viáveis em termos econômicos. Trata-se do uso das placas solares no plano residencial, modelo com eficiência mais do que comprovada onde ele tem sido instalado. Basta um engajamento do diversos níveis de governo nesse projeto de substituição do chuveiro elétrico para que se tenha um efeito expressivo - e quase imediato - na redução do consumo de eletricidade.
Enfim, parece claro que a questão energética é também uma das dimensões de políticas públicas em que se mesclam algumas medidas de caráter micro com outras de natureza macro. A configuração das diferentes fontes de energia para a arquitetura de nossa matriz do futuro exige medidas a serem tomadas no curto prazo, com resultados que serão sendo alcançados ao longo do tempo. E isso vai desde a simples mudança de hábitos sociais e culturais, até o necessário investimento pesado em inovação, ciência e tecnologia.
Jaciara Itaim é economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.
Controvérsia
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