segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Por que temos medo de meninos com fome?


Aline Oliveira

Ele disse que tinha quase 15 anos. Eu não daria 10, considerando o corpo franzino. Ele tinha fome e eu tive medo. Ele só queria um prato de comida e eu duvidei. E foi assim que me dei conta de que o rumo que as coisas tomaram na cidade me fez ter medo de um menino com fome. E o que pode acontecer com uma sociedade quando as pessoas começam a ter medo de um menino com fome?

O encontro perturbador aconteceu no fim de um dia cansativo. Cheguei de carro no estacionamento do supermercado reclamando de estar morrendo de fome e decidida a fazer uma refeição decente antes de seguir para o último compromisso do dia. Eu achei que tinha problemas. Na boca do caixa, fui abordada pelo menino de pés sujos. A primeira reação aconteceu ao sentir sua presença física: puxei a bolsa e despistei rápido, deixando claro que não podia ajudar. “Mas eu só quero um prato de comida, moça...”

Eu tive uma segunda chance de repensar e decidir ainda mais rápido: mandá-lo correr e encher um prato de sopa em tempo de eu chegar ao caixa. Depois sentei ao seu lado, conversamos e eu finalmente descobri que aquele era apenas um menino com fome. E senti vergonha de ter tido medo, mesmo que numa fração de segundos, dele.

Esses meninos famintos (de comida, de brinquedos, de atenção, de limites) estão espalhados pela cidade e a gente já se acostumou. E é cada vez mais fácil culpá-los do que se questionar onde é que vamos parar. É cada vez mais fácil fechar o vidro do carro do que pensar em formas de mudar este quadro de coisas.

Há 23 anos esses meninos com fome ganharam o direito formal de serem considerados “prioridade absoluta” para a família, comunidade, sociedade em geral e poder público. O Estatuto da Criança e do Adolescente coloca sobre nossos (o meu e o seu) ombros a responsabilidade pela efetivação dos direitos referentes à sua dignidade, liberdade e convivência familiar e comunitária. O texto da lei não diz, mas deixa implícito: eles também têm direito de não serem alvo do nosso medo. Especialmente quando tudo que eles querem de nós é um prato de sopa ao fim de um dia sem nenhum alimento.

Jornal da Paraíba

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