É preciso regulamentar o direito à creche no local de trabalho, recomenda pedagoga
Em entrevista, Maria Malta Campos, pedagoga e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, avalia a relação entre a falta de creches e o trabalho doméstico.
Débora Prado
Na pesquisa Trabalho remunerado e trabalho doméstico: uma tensão permanente, a busca por vaga em creche foi apontada como a principal dificuldade para as mulheres que trabalham no mercado. Essa dificuldade pode estar por traz de boa parte da contratação precarizada de babás hoje em dia? Qual o impacto da PEC das Domésticas nessa relação?
Bem, não tenho muita segurança sobre esses dados a respeito da contratação precarizada de babás. Mas é preciso considerar que, pelo que escutei de um especialista em entrevista na TV recentemente (o Prof. José Pastore, da USP), a maioria esmagadora dos 7 ou 8 milhões de trabalhadores domésticos na Brasil não são registrados em carteira. Não sabemos como seus empregadores vão reagir à nova legislação: com demissões? Continuando com as mesmas práticas? Por outro lado, muitos empregados domésticos também recorrem à ajuda doméstica informal em suas comunidades para sair de casa e ir trabalhar na casa de outros. No que a nova legislação poderá influir nessa situação? Acho difícil prever.
Em alguns países onde a figura da trabalhadora doméstica nas casas não é tão comum quanto no Brasil, como no Canadá por exemplo, há educação em período integral nas escolas. A educação pública em período integral no Brasil tem perspectiva de ser mais ampla no médio e longo prazo? Como ela poderia contribuir para aliviar a dupla jornada de mulheres brasileiras?
Isso mesmo, outra questão importante tem a ver com o horário integral. Nem sempre o atendimento à criança pequena é em tempo integral. A maioria das pré-escolas para crianças de 4 e 5 anos funciona poucas horas por dia. Nos primeiros anos do ensino fundamental é a mesma coisa.
Então, esse é outro tema que merece ser discutido nesse momento. Há que se pensar também no ambiente doméstico de trabalho que muitas crianças compartilham com suas mães, nas residências dos patrões. Por exemplo, nos prédios e condomínios, os filhos dos empregados podem usufruir dos espaços de lazer? Essas são questões que tocam em nossa herança escravocrata e que também deveriam ser objeto de reflexão da sociedade.
A PEC pode fazer com que haja mais pressão por creches e pré-escola públicas em período integral por parte da sociedade? Como você vê esse cenário no médio e longo prazo?
Hoje há uma enorme demanda reprimida por vagas em creche nos grandes centros. É possível que boa parte dessas mulheres mães sejam trabalhadoras domésticas. Se não houver mais financiamento para as prefeituras, acho difícil imaginar que uma lei como essa possa influir significativamente no aumento da oferta.
Quanto ao vale-creche, alternativa que foi aventada como obrigação do empregador, penso que resulta numa situação complicada, pois pode estimular um mercado privado para bairros de baixa renda que até hoje continua completamente desregulado pelo poder público.
Não podemos correr o risco de só pensar nos trabalhadores pais e mães e não pensar nas crianças. Como será a situação de crianças deixadas sob os cuidados de creches improvisadas sem nenhuma supervisão, subvencionadas com esse tipo de vale creche?
A nossa legislação já prevê essa obrigação do poder público oferecer creches a quem a demanda. A creche continua uma opção dos pais, ela não é obrigatória em nenhum país, e no Brasil – desde a Constituição e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (sem falar no ECA) – é um direito da criança e da família. Agora, a creche como um direito social, definida na Constituição como um direito dos trabalhadores homens e mulheres, nunca foi regulamentada.
Na realidade, muitas creches e berçários que existiam em empresas, públicas e privadas, foram fechados ao longo dos anos. Então esse é um aspecto que pode ser considerado nesse momento: não estaria na hora de regulamentar esse direito à creche no local de trabalho, que ficou só no papel? Isso poderia eventualmente servir de ajuda para aliviar um pouco a demanda sobre as prefeituras e liberar vagas nas redes públicas para os pais empregados domésticos.
E no caso do cuidado das mulheres com idosos, essa é uma área esquecida pelo poder público? Pode haver mais mobilização por respostas de políticas sociais para esse segmento?
Bem lembrado. Não tenho informações sobre esse campo, mas na medida em que a população envelhece e as famílias deixam de ser ampliadas para serem mais individualizadas, os cuidadores passam a ser um contingente maior de trabalhadores na sociedade. Seria preciso pensar sobre esse tipo de vínculo também.
Agenciapatriciagalvão
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