quinta-feira, 21 de junho de 2018

A Ponte para o Futuro é o abismo nosso de cada dia"

Dilma não pagou apenas por seus acertos

No livro “Lulismo em Crise” (Companhia das Letras, 2018), André Singer analisa exaustivamente as condições políticas que levaram ao que chamou de “ensaio republicano” e “ensaio desenvolvimentista” do governo de Dilma Rousseff e, posteriormente, à sua derrubada.

A demissão de membros corruptos do alto escalão do governo e da Petrobras seria consequência, segundo o autor, da percepção de que “apenas um Estado republicanizado seria capaz de reindustrializar o Brasil”.

No âmbito da política econômica, o objetivo da reindustrialização teria se refletido na redução da taxa de juros básica pelo Banco Central, no uso de bancos públicos para reduzir spreads bancários, na desvalorização do real e no controle de tarifas de energia elétrica.



Singer não inclui aí as desonerações da folha de pagamento, que seriam reflexo do enfraquecimento de Dilma após a ofensiva das “onças cutucadas pelos ensaios”.



A perda de sustentação política é que, segundo ele, teria levado o governo a atuar em “zigue-zague”, abandonando a boa estratégia inicial.



É verdade que o governo Dilma adotou uma política industrialista, fundamentada na visão de que o forte dinamismo do mercado interno no segundo governo Lula beneficiou mais os setores de serviços e a construção civil do que a indústria de transformação em razão de fatores que reduziam a lucratividade dos setores produtivos e prejudicavam sua capacidade de concorrência.



Com o uso de tarifas de importação, taxas de câmbio diferenciadas e outros instrumentos que marcaram o desenvolvimentismo do pós-guerra proibidos pela OMC, as propostas para a reindustrialização do país passaram a girar em torno da desvalorização do real e de medidas para reduzir custos dos setores industriais que perdiam espaço desde a abertura dos anos 1990. O problema é que esses “novos” instrumentos —de redução de custos com impostos, tarifas e mão de obra— geram prejuízos fiscais e distributivos que afetam a economia como um todo.



As desonerações, aliás, não só fazem parte do conjunto de medidas voltadas para restabelecer a competitividade dos setores industriais como já estavam presentes nas propostas que saíram do seminário que reuniu Fiesp e centrais sindicais em 2011 e constituíram o cerne do plano Brasil Maior, anunciado pelo governo em agosto daquele ano.



O corte de investimentos públicos, que visava criar condições para a redução de juros pelo BC, contribuiu para desestimular o mercado interno. A redução dos juros em meio à reversão dos fluxos financeiros internacionais, por sua vez, precipitou uma desvalorização brusca do real, causando inflação e contribuindo para frear salários e consumo.



Diante de expectativas cada vez menores de crescimento das vendas e do aumento da capacidade ociosa, os empresários ainda endividados não viram nenhuma razão para investir.



O fracasso da Agenda Fiesp —como chamo esse conjunto de medidas no livro “Valsa Brasileira” (Todavia, 2018)— não parece ser fruto de pressões políticas. A perda de sustentação política é que parece ter sido agravada pela incapacidade de uma agenda voltada para preservar a lucratividade da indústria do século 20 de estimular uma economia que passou a sofrer também os impactos do fim da alta no preço das commodities e da crise europeia.



Diante de conflitos distributivos cada vez mais exacerbados sobre a renda nacional e o Orçamento público minguantes, a agenda de redução de custos com impostos e mão de obra fez o rebranding necessário para atrair outro público-alvo, passando a chamar-se Ponte para o Futuro —no caso, o abismo nosso de cada dia.



Laura Carvalho

Professora do Departamento de Economia da FEA-USP, tem doutorado na New School for Social Research.

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